LARCHET ASCESE
TERAPÊUTICA DAS DOENÇAS ESPIRITUAIS — ASCESE
Termo incorporado da tradição grega onde tinha o sentido de exercício, treinamento, prática, gênero de vida. Foi elevado à condição maior de trabalho interior do “atleta de Deus”, designando tudo que o cristão deve realizar para beneficiar-se da salvação aportada por Cristo. A obra da salvação aparece deste modo como uma sinergia da graça divina dada pelo Espírito Santo e do esforço, de cada batizado, de abertura para esta graça; trabalho interior de toda uma vida, a cada momento e em todos os atos da existência.
A ascese na Igreja Ortodoxa não tem o sentido estreito que frequentemente lhe foi dado no Ocidente, mas designa aquilo que todo cristão deve realizar para beneficiar-se efetivamente da salvação aportada pelo Cristo. Aos olhos da grande Tradição da Igreja Ortodoxa, a obra da salvação aparece como uma sinergia da graça divina dada pelo Espírito Santo e do esforço que cada batizado deve pessoalmente desempenhar para se abrir a esta graça e dela se apropriar (no sentido de torná-la própria), esforço que se realiza em todo a vida, a cada momento e em todos os atos da existência. A palavra grega askesis significa a princípio: “exercício”, “treinamento”, “prática”, “gênero de vida”. Ainda mais em russo, as palavras correspondentes: podvig, podvijnitchestvo, derivadas do Verbo eslavo po-dviztsia que significa: “mover-se adiante”, “ir a frente”, traduzem uma concepção eminentemente dinâmica da vida espiritual e revelam que esta é concebida como um processo de crescimento, que é aquele da atualização progressiva da graça recebida nos sacramentos e em particular no batismo, ou ainda aquele da assimilação progressiva da graça do Espírito que encorpora efetivamente o batizado ao Cristo morto e ressuscitado, lhe permite de se apropriar pessoalmente da natureza humana restaurada e deificada na pessoa do Deus-homem.
É pela ascese teantrópica que o cristão, pela graça do Espírito, morre, ressuscita e é glorificado com o Cristo, deixa de ser um homem decaído e se torna um “homem novo”, despe-se do “homem velho” e “reveste-se do Cristo”, atualiza a troca que o batismo realizou potencialmente nele, da natureza decaída para a natureza restaurada e deificada em Cristo.
A salvação operada pelo Cristo sendo concebida pela Tradição como uma cura da natureza humana doente e a restauração de sua saúde primordial, é lógico que a ascese, pela qual o homem se apropria desta graça, seja considerada por ela mesma como um processo de cura do homem e de seu retorno à saúde.
Ficamos surpresos na leitura do Padres em constatar que estes, sem exceção e muito frequentemente recorrem às categorias medicais para descrever as diversas modalidades da ascese, a tal ponto que esta nos pareceu poder ser sistematicamente apresentada como uma terapêutica perfeitamente elaborada, a ascese se definindo a princípio ela mesma, como a medicina, como uma Arte no sentido antigo de “técnica” (eis outro sentido da palavra grega askesis), e mesmo, segundo uma expressão tradicional, como “a arte das artes e a ciência das ciências” (expressão usada na apresentação da versão russa da Philokalia). Os ensinamentos patrísticos apresentam igualmente as ascese utilizando as categorias da luta, do combate (athlesis e agon, que tem ainda o sentido de esforço e treinamento): mas podemos notar, sem pretender retomar esta últimas categorias de sentidos, que os sentidos se complementam, posto que a medicina tem por finalidade “atacar” às causas das doenças, “lutar” contra as doenças, “vencê-las”, através de uma “estratégia” e a utilização de um “arsenal” terapêutico…
