Tauler (JM) – Sermão para véspera da Epifania
Que se releia, que se pregue, que se medite cem vezes as páginas encantadoras da sagrada Escritura no santo evangelho, sempre se descobre nela uma nova verdade que jamais ninguém havia encontrado. “Toma o menino e sua mãe e volta para a terra de Israel, porque morreram os que atentavam contra a vida do menino.”
Algumas pessoas, assim que lhes desperta o bom desejo de uma nova maneira de vida ou de algo bom, tornam-se logo presunçosas. A novidade deste nascimento as faz lançar-se sobre este desejo com um zelo apressado de realizá-lo, antes mesmo de saber e considerar se a natureza delas é capaz ou se a graça que receberam é grande o suficiente para lhes permitir ir até o fim de tal obra. O ser humano, antes de se entregar a qualquer prática, deveria considerar o seu desfecho; deveria refugiar-se em Deus, lançar n'Ele e sobre Ele o primeiro impulso de sua elevação de alma. Mas essas pessoas querem partir e começar muitas novas práticas. Essa presunção perde a muitos, porque constroem sobre as próprias forças.
Quando José estava no exílio com o menino e a mãe, ele soube do anjo, durante o sono, que Herodes havia morrido; mas, tendo ouvido dizer que Arquelau, filho de Herodes, reinava no país, continuou a ter grande medo de que o menino fosse morto. Herodes que perseguia o menino e queria matá-lo, é o mundo que, sem dúvida, mata o menino, o mundo do qual é necessário fugir e do qual se tem o dever de fugir, se de fato se quer salvar o menino. Mas, uma vez que se fugiu exteriormente do mundo para ermidas ou para claustros, Arquelau se levanta e reina. Ainda há todo um mundo em ti, um mundo do qual não triunfarás sem muita aplicação e o auxílio de Deus, pois são três inimigos numerosos, fortes e implacáveis que tens a vencer em ti e é quase impossível triunfar deles. O mundo ataca pela soberba do espírito: quer ser visto, considerado, ouvido; quer agradar pelas roupas, pelo comportamento, pelas conversas elevadas, pelos modos, pela sabedoria, pelas relações, pela família, pelos bens, pela honra ou por alguma outra coisa semelhante. O segundo inimigo: é a própria carne que ataca pela impureza corporal e espiritual. E todos aqueles que colocam seu prazer na sensibilidade de qualquer maneira que seja, estão em pecado. Que cada um observe, portanto, com cuidado por onde este pecado o atinge, em todos os seus sentidos ou nas coisas sensíveis que o sujam. Que se guarde também do amor de qualquer criatura, que se carrega voluntariamente dia e noite no coração; pois assim como a natureza corporal arrasta a matéria do corpo para a impureza, assim a impureza interior arrasta em verdade o espírito, e quanto mais o espírito é nobre que a carne, tanto mais sua impureza é prejudicial que a do corpo. O terceiro inimigo é o Inimigo que ataca inspirando maldade, pensamentos amargos, suspeitas, julgamentos maliciosos, ódio e desejos de vingança. “Isto me fizeram, isto me disseram”, e então se assume um semblante severo, modos rudes, uma linguagem dura; quer-se retribuir em palavras e atos aquele que ofendeu. Tudo isso é a semente do Inimigo e sua obra, sem dúvida. Deseja-se tornar cada vez mais querido por Deus? Deve-se renunciar completamente a tais procedimentos, pois isso é Arquelau, o malvado. Tema e cuidado, em verdade ele quer matar o menino.
José se informou com cuidado se não havia mais ninguém que quisesse matar o menino. Assim, em verdade, depois de ter vencido os inimigos supracitados, deve-se saber que ainda há, no entanto, mil redes a romper e que discerne somente aquele que se voltou para si e em si. Este nome de José não significa outra coisa senão um crescimento intenso na vida de devoção e na aplicação ao progresso. Em verdade, é assim que se guarda bem o menino e também a mãe.
Foi pelo anjo que José foi advertido e chamado de volta à terra de Israel. Israel significa “terra de visão”. Eis onde se perdem muitas pessoas de alta espiritualidade: querem, por si mesmas, romper violentamente as múltiplas malhas da rede, antes que Deus as liberte, antes que o anjo as faça sair ou as exorte; e isso as faz cair em erros temíveis. Querem, antes que Deus as liberte, libertar-se a si mesmas pela sutileza da própria razão, e, com discursos elevados, contemplar e dizer coisas sublimes a respeito da Trindade. Que miséria e que erros saíram daí e ainda saem todos os dias! É uma desolação para aqueles que o sabem. Essas pessoas não querem suportar os laços que as aprisionam nas trevas do Egito (Egito significa trevas). Mas, que se saiba bem: nenhuma das criaturas que Deus jamais fez pode dar liberdade, nem mesmo ajudar a sair. Somente Deus pode. Corre, procura, percorre os caminhos do mundo inteiro, não se encontrará este socorro em pessoa, a não ser em Deus somente. Nosso Senhor quer usar um instrumento, um anjo ou um homem, para fazer esta obra? Pode; mas é Ele quem deve fazer e ninguém mais. Por isso, que se procure este socorro interiormente, no fundo! Cesse as corridas para fora; abandone-se, submeta-se e permaneça na terra do Egito, nas trevas, até que se tenha sido convidado pelo anjo a sair.
Foi durante o sono que José foi advertido. Aquele que dorme não peca, mesmo que às vezes venha um mau pensamento, a menos que se tenha dado ocasião antes. Assim o ser humano deve estar em um verdadeiro sono em relação ao mundo exterior, a todos os sofrimentos e tentações que podem cair sobre si. Não deve fazer nada senão curvar-se humildemente, em uma resignação abandonada, ser passivo como no sono, e não se preocupar com nada. Entregue-se, suporte o mal - não há melhor maneira de ser libertado - e permaneça sem pecado. É no sono, é somente no verdadeiro abandono, na verdadeira passividade, que se receberá o convite para sair assim como aconteceu com José. Guardadores como José, é o que deveriam ser para todos os seres humanos, enquanto jovens, os prelados da santa Igreja: papa e bispos, abades, priores e prioras e também todo confessor. Cada superior deveria guardar seus subordinados, na medida em que isso lhes é útil. Ora, temos muitos guardadores e superiores. Quanto a mim, tenho um prior, um provincial, um mestre geral, um papa, um bispo, que estão todos acima de mim. Supondo que me queiram mal, a ponto de se tornarem lobos e queiram me dilacerar, então, como um ser humano verdadeiramente resignado, eu me submeteria e me abandonaria humildemente. Querem me fazer bem, ser bons para mim? Devo aceitar. Querem me dilacerar? Mesmo que fossem cem vezes mais numerosos, devo suportar e deixar-me fazer.
José continuou a temer, embora o anjo lhe tivesse dito que haviam morrido aqueles que procuravam a alma do menino, e mesmo então teve grande cuidado em perguntar quem reinava no país. É aí que está o erro das pessoas de quem falamos; querem perder todo o medo. Nunca se superará todo o medo, enquanto se vive nesta terra. “O santo temor deve permanecer eternamente” (Sl 19, 10). Mesmo que o anjo acalmasse como José, ainda se deveria temer e procurar com cuidado quem reina em si, se Arquelau ainda não comanda em algum lugar. José tomou a mãe e o menino. O menino simboliza uma pureza sem mancha. O ser humano deve ter o coração purificado de todo amor às criaturas; além disso deve ser pequeno, em uma humilde submissão. A mãe significa o verdadeiro amor de Deus, pois o amor é mãe da humildade pura e do rebaixamento de si mesmo, na submissão à vontade de Deus, em grande simplicidade.
Enquanto o ser humano é jovem, não deve partir, à vontade, para a terra de visão. Pode bem ir lá buscar o perdão, e depois retornar ao Egito; mas não, que permaneça lá enquanto ainda é jovem e não atingiu seu pleno crescimento, pelas armas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Nosso Senhor nos ensinou tão bem todas as coisas por sua vida; já que não podemos ouvir sua palavra, encontramos tudo em sua vida. Ora, Jesus veio a Jerusalém aos doze anos, mas não permaneceu lá, partiu, pois ainda não havia terminado de crescer. Manteve-se, portanto, afastado até que se tornasse homem feito. Mas, quando atingiu seus trinta anos, veio todos os dias a Jerusalém. Lá repreendia, lá recriminava, lá censurava os judeus por suas faltas, afirmava-lhes a verdade como mestre. Pregava, ensinava, permanecia no país, comportava-se com toda a liberdade, e domínio de seus atos, por toda parte onde queria, em Cafarnaum, na Galileia, em Nazaré, e em toda a terra de Judá. Lá agia como mestre e realizava milagres e prodígios. É assim que o ser humano deveria agir: não deve querer estabelecer-se permanentemente nas regiões nobres, permanentemente no senhorio; deve apenas fazer incursões e retirar-se novamente enquanto não terminou de crescer, enquanto ainda é jovem e imperfeito. Mas, assim que chegou à perfeição e à virilidade, que venha para a terra de Judá. Judá significa “confissão de Deus” (louvor de Deus). Em Jerusalém, na verdadeira paz, pode-se então ensinar, repreender. Pode-se então ir para a Galileia, que quer dizer “passagem”. Aqui se está acima de todas as coisas, tudo se atravessou e então se chega a Nazaré, “a verdadeira floração”, o país onde florescem as flores da vida eterna, onde se tem certeza de encontrar um verdadeiro antegosto da vida eterna, onde há plena segurança, paz inexprimível, alegria e repouso, onde só chegam os abandonados, os resignados, aqueles que se submetem até que Deus os liberte e que não procuram libertar-se pela violência. Estes são os que chegam a esta paz, a esta floração, a Nazaré, e lá encontram o que fará a alegria eterna. Que seja esta a nossa parte a todos, e que nisto nos ajude o nosso amadíssimo Deus! Amém.
