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Henri le Saux Eremita

Henri le Saux — Eremitas do Saccidânanda OM! SACCIDÂNANDÂYA NAMAH EM NOME DA IGREJA “A verdade sobre Deus, quando O encontramos, é (que Ele é) santo”, exclamava Al-Hallaj, talvez, dentre os místicos muçulmanos, o que mais de perto se aproximou desse Deus, “bloco de santidade impenetravelmente denso”.

A Índia apreendeu profundamente o numinoso, a ambiguidade, o terror e a alegria do sagrado: desde as deusas arcaicas (fragmentos da grande Mãe neolítica, ambígua como a vida?), bruxas e guardas de crianças; através da Prakriti (prakriti : natureza), tenebrosa, opaca, tumultuosa, mas também dotada de luminosidade translúcida e serena; através do Çakti: poder divino muitas vezes personificado), duro como o destino (karman) e doce como a graça (prasâda); através de maya1) enfim, lugar de todo irracional, cósmico ou noáquico (do hebraico Noach, Noé), paradoxalmente definido pelo próprio Çankara como escapando ao mesmo tempo ao ser (sat) e ao não ser (asat) ; até Içvara, Senhor dos mundos — Vishnu ou Çiva — a quem o adorador murmura: “Tu és Tudo: o bem, és Tu; o mal, também és Tu?”2).

A passagem metafísica do numinoso à Transcendência se opera sem choques. E esta Transcendência é tal que o Absoluto3) — o nirgunabrahman (nirauna-brahman: o Brahman sem qualidades) — é plenitude de ser (pûrnam) (pûrna: pleno, completo) para além dos “nomes e das formas”, para além dos conceitos. Dele não se pode dizer senão “neti, neti… nem assim, nem assim…”; senão “atita” “para além”: O Absoluto é kaivalya (kaivalya: estado de solitude, de pureza espiritual da alma liberta), Solitude pura. Segundo a forma extrema de advaita (a doutrina kevala — absoluto)4), a de Çankara), dele nada poderia ser comunicado; nada participado. E assim o universo não poderia existir; o acosmismo que reduz o mundo à aparência de maya: ilusão cósmica) (nem ser, nem não-ser, nem misto de ser e de não-ser, nem esse não-misto) é uma consequência inelutável da posição do Absoluto em puro kaivalya.

A Revelação, no entanto, embora mantendo o sentido do numinoso5), aguçando-o mesmo, embora mantendo e depurando a transferência metafísica para a transcendência e o indizível6), ilumina de dentro o “bloco de santidade” cuja densidade infinita cessa enfim de ser “impenetrável”.

A qedusha de Isaías, VI, 2 (“Santo, Santo, Santo é Iavé dos Exércitos”) é tríplice. E se o profeta não distingue, sem dúvida, com seus olhos mortais, a aurora da Revelação Trinitária, o cristão, que ao tríplice Sanctus, faz eco aos Serafins — no cruzamento dos dois Testamentos, comungando com os dois povos, o de Israel e o das nações, no início do Canon (norma do Sacrifício eucarístico em que se condensa, sempre presente, o mistério do Mediador, Deus-Homem, morto e ressuscitado) — tem plena consciência, ele, cristão, de ter penetrado num mundo radicalmente novo. Acima mesmo das metafísicas e das místicas, o “Deus Vivo” bíblico aí se revela enfim como Santidade de amor. Pois se Deus é Pai, Verbo, Espírito, Ele é, em sua própria unidade indivisível, reciprocidade de Pessoas, que não são pessoas senão por sua própria reciprocidade, sua mútua inerência, sua interioridade dinâmica de uma a outra: circum-in-cessão… É pois dom de Si a Si, em Si. E o “Deus é amor” (I Jo. IV, 8) é a definição metafísica de sua existência. Os Três em Deus não fazem número com o Um. O Um é a unidade da “expansão do Um em Três sem divisão, e do recolhimento dos Três no Um sem diminuição”7) no instante eterno do ritmo divino de processão e de retorno. Este amor hipostático quebra a solidão do Solitário (o Kaivalya do Kevala). O mistério Trinitário — e só ele — esclarece, na obscuridade da fé “per speculum in aenigmate”, o outro imprevisível mistério: o da criação. Se a plenitude do Ser não exclui, mas, pelo contrário, inclui — nessa espécie de espaço interior em que se expande e se recolhe — doações constitutivas de Hipóstases distintas, pode entretanto também, como por acréscimo, por bondade pura e por amor, suscitar livremente8) um vir a ser, ou antes, uma pluralidade de vir a ser a participar, no finito e no tempo, de sua eternidade e de sua essência. . . Criação configurada à imagem e ao ritmo trinitários, em sua estrutura e em sua história9).

Esta expansão finita da santidade não esgotou o Amor suscitante. Suas Missões — projeções temporais das Processões eternas — introduziram no universo em processo as duas Hipóstases procedentes, manifestadoras do Princípio10) no mistério de sua auto-revelação: o Verbo de pensamento e o Espírito de amor unificante. Dupla e única efusão de infinita santidade: o Verbo, pela Encarnação; e o Espírito, sob um modo ainda sem nome. O Cristo é “o Santo de Deus” (Marc. I, 24) e o Paráclito é o Espírito de Santidade. O mundo é santificado pela própria santidade do Deus “três vezes santo”, pois os Dois Enviados lhe comunicam, em sua kenosis11), a própria Santidade do Pai.

Esta santidade por participação recebe sua plenitude — finita, que decorre da Plenitude infinita — em Maria e na Igreja.

1)
ou avidya: inconsciência (Çankara emprega de preferência o termo avidya).
2)
Cf. esse cume de numinoso hindu, com o Cap. XI da Bhagavad Gita.
3)
Cf. C. Lacombe, L'Absolu selon le Védânta.
4)
kevala-advaita: não-dualidade de absoluto.
5)
“ardeo et inhorresco” dizia Santo Agostinho. Esse ardor de desejo e de recuo, de terror e de amor, inflama os profetas a os salmistas. Um deles dizia a Iavé: “Tu conduzes ao Sheol e tu dele fazes voltar, tu matas e tu vivificas”.
6)
O texto tão denso de Colossenses II, 8: “Habita n'Ele (Cristo) o Pleroma da Divindade, no corpo”, cume do cristocentrismo paulino, funda a mística cristã apofática: a de Marius Victorinus, do Pseudo-Dionísio, do areopagitismo latino, de São João da Cruz.
7)
Segundo a fórmula de São Dionísio, bispo de Alexandria (sec. III), enviado como profissão da fé trinitária — e, ao que parece, como que em eco a Dionísio, bispo de Roma (citado por Santo Atanásio, De sententiis Dionysii, 17 — MG, t. XXVI, col. 504).
8)
De uma liberdade total, segundo a existência e segundo a essência.
9)
Não seguindo porém o esquema simplista das “três idades” de Joachim de Flore.
10)
São João Damasceno chamava o Pai: Deidade-Fonte.
11)
A kenosis do Verbo — baseada em Filip. II, 5, 12 — é de teologia clássica. A interpretação mais perfeita é sem dúvida o artigo Kénose do P.e Paul Henry, S. J., no Suppl. au Dict. de la Bible de Pirot. A kenosis do Espírito na difusão de seus carismas foi perscrutada pela teologia ortodoxa russa (Lossky, sobretudo Bulgakov, Le Paraclet) e exigiria uma clarificação católica. A kenosis do Pai, na criação, está por ser elaborada.
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