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KOLAKOWSKI (LKCE) – ANGELUS SILESIUS, ANIQUILAÇÃO DE SI DO AMOR MÍSTICO

LKCE

Esses esquemas nos permitem investigar como a categoria do amor místico, que leva à autoaniquilação de seu sujeito, se integra de forma inteligível. Nas duas estruturas da mística de Silesius que identificamos — a dualista e a monista — esse eros autodestrutivo se manifesta, ligado à experiência da individualidade, vivida como uma separação infeliz. O amor que deve unir o sujeito amante ao objeto de seu desejo está associado a uma clara consciência de sua própria força destrutiva.

Essa consciência é universal na literatura mística. Parece que a observação de Denis de Rougement, em sua análise da lenda de Tristão e Isolda, sobre a ligação entre paixão e morte ser um fato inexprimível e socialmente proibido, revelado apenas por disfarces míticos, não é totalmente precisa. Embora a generalização sobre os gêmeos Eros e thanatos seja relativamente recente em história e antropologia, a consciência dessa parentesco encontrou, desde tempos remotos nos correntes místicas, formas de articulação não apenas míticas ou simbólicas, mas também diretas e abstratas.

Quando Silesius opõe o “falso amor” egocêntrico, que perpetua a separação individual, ao amor Divino unificador, ele usa inúmeras metáforas e parábolas sugestivas, mas também se expressa de forma direta. Não há razão para não levar suas palavras ao pé da letra. Afirmar que “ninguém ama a Deus como deve se não se despreza a si mesmo” (V, 300), que devemos desejar a morte (VI, 121) e nos perder para encontrar Deus (II, 61), e centenas de fórmulas semelhantes, abundantes em toda a literatura mística, não contêm véu que as mistifique ou suavize. O “amor mortal” dos místicos pode prescindir de expressões figuradas e se manifestar com uma literalidade seca e cansativa, para a qual os símbolos (no sentido que Eliade lhes dá) são supérfluos.

Ao analisarmos o fenômeno-Eros em sua indiferenciação primordial e tentarmos descrever seu conteúdo eidético, abstraindo provisoriamente de realidades psicológicas e históricas, distinguimos claramente essa dualidade ou, se preferir, essa ligação inquietante, mas inelutável, entre a satisfação e a inexistência. Temos, então, o direito de considerar a mística como uma forma particularmente intensa da consciência dessa ligação.

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