BEM (COP)
*Henri Crouzel – Orígenes e Plotino (COP)*
Capítulo I: Pai em Orígenes e Uno em Plotino
PLOTINO
O Bem é o outro nome do Um e expressa o fato de que todos os seres que vêm dele o desejam. Toda alma o procura, mas para tê-lo é preciso subir em direção a ele, abandonando todas as vestes que foram revestidas na descida, no afastamento dele, tudo o que lhe é estranho. Este desejo é o amor, um amor-desejo, eros como dizem os modernos, que tende à união ou, para empregar uma palavra mais realista, à mistura (sunkerasthenai) que produz prazer. Por amor ao Bem, zomba-se de qualquer outro amor. Este desejo do Um é universal, todas as nossas almas o procuram: é um princípio que não vem da observação e da recapitulação dos fatos particulares, mas que precede esta observação e esta recapitulação, e até a posição e a expressão do próprio princípio. Este desejo do Um e da unidade é interior a todo ser, a toda natureza, e já é como uma presença do Bem em cada ser, pois o Bem não deve ser procurado fora de si e é de uma certa forma próprio de cada um, ao mesmo tempo que é o Bem. O Um basta a todos e se dá inteiramente a todos, ao mesmo tempo que permanece em si mesmo. O mesmo acontece com a Sabedoria, inteira para todos: como em uma assembleia de homens onde cada um é sábio fracamente, mas onde a sabedoria de um vai reforçar a dos outros. É o mesmo Bem que cada um atinge. Ele não vem a cada um como de fora ou como a estranhos, mas ele se encontra já o mesmo em cada um. Como se trata de substâncias que não são massas corporais, mas que são de ordem espiritual, o Bem pode pertencer ao mesmo tempo a todas: o mesmo acontece com as ciências e seus teoremas que podem crescer sem se sentirem apertados na alma: “Para ele se voltam as cidades e a terra inteira e todo o céu; por toda parte elas permanecem com ele e nele, tendo dele o ser e o que é verdadeiramente, até a alma e a vida suspensas a ele, indo para o Um que é infinito por sua infinidade não estendida”.
Tudo, portanto, deseja o Um e o cobiça por uma necessidade natural. De uma confrontação entre o Bem e o Belo, segue-se que o desejo do Bem está presente mesmo àquele que dorme e que ele não surpreende porque se vive sempre com ele. Ele é benevolente, prestável e gracioso e ele se torna presente àquele que o quer. Ele não precisa de nada, de nenhum dos seres que ele gerou e tê-los gerado não muda nada nele.
A Inteligência, a vida, as virtudes, têm a “forma do Bem”, são agathoeides e é por isso que a alma as procura e as deseja. Mas a alma não se detém nelas, é o próprio Bem que ela quer. Se ela é por vezes preenchida por elas de um amor intenso, é que à luz que elas emitem se mistura uma outra luz, a do Bem, uma luz que corre sobre elas e as impregna. A beleza da Inteligência não é suficiente para mover a alma, mas apenas a luz do Bem que joga sobre a Inteligência: ela ultrapassa, portanto, a Inteligência. Se a alma permanece na Inteligência, ela não encontra de todo o que procura. Um rosto belo comove mais pela graça que manifesta. Um rosto feio, mas vivo, é preferível ao de uma estátua, por mais belo que seja. Assim acontece com a virtude que não se contenta em ter a forma do Bem, mas sobre a qual brilha o Bem. É, portanto, o Bem que é melhor que todos os seres. Se não houvesse Bem, não haveria mal e tudo seria indiferente, o que é impossível. Todos os bens se resumem, portanto, ao Bem, mas o Bem não se resume a nada. É ele que por sua bondade fez a Inteligência, a vida, as almas e tudo o que nelas participa. É ele que agora conserva os seres, faz pensar o que pensa e viver o que vive, lhes insuflando a inteligência, a vida e o ser.
Os capítulos que se seguem aos que acabamos de citar constituem uma longa reflexão sobre o Bem. Encontra-se primeiro uma série de perguntas. Será que o Bem é desejável para alguém ou para todos? Será que o poder entra na definição do Bem? Será que ele é apenas o bem para os outros sem o ser para si mesmo? Em que a vida, a inteligência, a existência são bens? Por causa do amor que se tem por si mesmo? Não há nisso uma enganação da natureza e o medo da corrupção? Estas últimas perguntas são atribuídas a “um homem de mau humor”. Segue uma exegese explícita do Filebo de Platão. O bem é necessariamente objeto de alegria sem que, por isso, o bem se identifique com o prazer. Mas não se trata para Platão do Bem supremo, mas do bem imediato de cada um. O bem, certamente, é desejável, mas não é porque ele é desejável que ele é bem, é porque ele é o bem que ele é desejável. Cada ser tem um bem que está imediatamente ao seu alcance e há assim uma escala dos bens que sobe em direção ao Bem supremo, termo último que não tem bem acima dele. Quando se obtém este bem, torna-se melhor e se é preenchido por este bem. É por isso que o bem não deve ser confundido com o prazer, inconstante por natureza. O bem não se identifica com o semelhante, que lhe é familiar por causa desta similitude, mas se identifica com aquilo de que o ser é em potência, permanecendo indigente enquanto não o obteve. O ser não é para si mesmo o seu bem, mas é o que lhe traz a sua perfeição. Não é tampouco o desejo que constitui o bem, mas é porque o bem é o bem que ele é desejado. Enfim, o Bem não é um bem para o Um, mas para os outros: eles precisam dele, mas ele não tem nenhuma necessidade de si mesmo.
Todo ser que deseja o bem preferiria ser o bem do que o que ele é. Enquanto ele não o tem, ele deseja outra coisa que ele; na Medida em que ele o tem, ele se quer a si mesmo. Mas o próprio Bem não pode querer ser outra coisa que o que ele é. Os outros seres, ao contrário, não têm nenhuma razão de se comprazerem em si mesmos e seriam antes descontentes do que são, enquanto o Bem é como ele se quis, se a expressão vontade tem um sentido para ele. Na simplicidade absoluta do Um, ele é ao mesmo tempo amável, amor, amor de si mesmo: ele é, se fosse possível falar assim dele, ao mesmo tempo aquele que se une e aquele a quem ele se une, o desejado e o desejante: desejo e substância (upostasis) nele se confundem.
O Bem se identifica, portanto, com o Um. De tudo o que foi dito, retenhamos que o Bem não é o Bem por acidente: ele é o Bem. Tudo o que é deficiente precisa do bem e do salvador (tou eu kai tou sozontos). O Um não tem nenhum bem nem quer nenhum bem, ele está acima do bem (uperagathon), já que ele não é bem para si, mas para os outros se eles puderem participar nele. Esta doutrina do Bem Pai da Inteligência é atribuída a Platão com base na Carta II.
A este respeito, reproduzamos uma parte de um texto do qual tentaremos fixar o significado. “Era preciso que ele fosse o Bem (tagathon) e que não houvesse nele nada de bem. O que ele teria, ele o teria bem ou não bem, mas nem no bem, no que é verdadeiramente e primeiramente o Bem, pode estar o que não é bem e o Bem não tem o bem. Se ele não tem nem o não bem nem o bem, ele não tem nada; se ele não tem nada, ele é sozinho e privado das outras coisas. Se as outras coisas são boas e não o bem, ou se elas não são boas, ele não tem nenhum dos dois; não tendo nada, pelo fato de não ter nada, ele é o Bem. Se lhe adicionarmos o que quer que seja, substância, inteligência ou belo, por esta adição, tiramos-lhe o ser o Bem”. Esta última frase e as que se seguem insistem na absoluta simplicidade do Um-Bem a quem não se pode adicionar nenhum atributo sob pena de fazê-lo dois e de suprimir esta simplicidade. Tal é também o objetivo das primeiras frases: ele é o Bem, ele não tem o bem, pois ele não tem nada. Talvez fosse preciso traduzir agathon quando esta palavra não é precedida do artigo, quer ela esteja unida por crase ao adjetivo (tagathon) ou que ela esteja separada (to agathon), não por bem, mas por bom e concluir que se o Um é o Bem para o qual tendem todos os seres, ele não é bom no sentido de que ele se voltaria com bondade para os seres que vêm dele.
O Bem é, portanto, por natureza simples e primeiro, duas qualidades que são apenas uma e ele não tem nada, mas é, sem atributo: ele é apenas designado e na medida em que isso é possível. Vimos que a Inteligência tem a “forma do Bem” (agathoeides). O bem é uma das ideias ou formas (eidos) que ela contém e ela contempla a natureza do Bem em sua contemplação do Um: é assim que ela é boa. Mas se o Bem vem nela, ele está de uma maneira adaptada à natureza da Inteligência. É contemplando o Bem para além de todo pensamento que a Inteligência gera. Por causa de sua transcendência em relação ao ser, o Bem não pode ser classificado entre os gêneros do ser: ele não participa do ser, mas são os seres que participam dele.
Não faltam, certamente, textos de Orígenes que representam Deus como aquele que deve ser amado acima de tudo: citemos por exemplo as duas grandes passagens que tratam do “amor ordenado”: Homília sobre Lucas XXV, 6-7 e Comentário sobre o Cântico dos Cânticos III. No topo de todo amor está Deus segundo o Evangelho: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas as tuas forças”. Orígenes comenta: “Que ames a Deus, não há aí nenhuma medida, nenhum limite, a não ser apenas este que ofereças tudo o que tens”. Nenhuma criatura, mesmo um homem, mesmo um anjo, deve ser amado com todo si mesmo, como só Deus deve sê-lo: agir assim seria idolatria, colocar uma criatura no lugar de Deus.
No entanto, na obra de Orígenes, o amor que sentimos por Deus não ocupa tanto lugar quanto o amor que Deus sente por nós. Ele não é apenas o Bem, aquele para o qual toda a criação aspira: ele é bom e esta expressão volta constantemente na obra de Orígenes; a polêmica contra os marcionitas que separavam o Pai de Jesus Cristo do Deus criador e faziam deste último um Deus justo, mas não bom, contribui para isso. Basta, para se convencer disso, examinar nos índices do Contra Celso e do Peri Archon as palavras agathos e agathotes, bonus e bonitas, enquanto é o neutro to agathon ou tagathon que é habitualmente atribuído por Plotino ao Um. Há aí como que uma inversão de direção. O Um de Plotino é o Bem, ou seja, que todos o desejam, mas ele é o mais das vezes representado como voltado para si mesmo. O Deus de Orígenes, como o do Evangelho, é bom, no masculino, voltado para suas criaturas que ele ama e ajuda: ele está constantemente associado à obra salvífica de seu Filho.
Está escrito no Tratado dos Princípios segundo Rufino: “O Pai é sem dúvida a bondade em seu princípio”, não o Bem, mas a bondade (bonitas).
Esta palavra traduz agathotes que se encontra no fragmento correspondente de Justiniano, onde é uma citação de Sabedoria 7:25 e o mesmo acontece no de Jerônimo que emprega bonitas. O prólogo do Comentário sobre o Cântico dos Cânticos contém todo um desenvolvimento sobre o amor e a caridade. Aí é dito, seguindo 1 João 4:7-8, que “a caridade vem de Deus” e que “Deus é caridade (agape)”, e também que o Filho que vem de Deus o é igualmente. O que esta palavra exprime para Orígenes? Ele mostrou antes que na Escritura se cupido ou amor (eros) é muitas vezes tomado em mau sentido e caritas ou dilectio em bom sentido, eles são, no entanto, frequentemente intercambiáveis, aplicando-se tanto ao amor lícito quanto ao amor culpável. Se o Pai é caridade, o Filho também é caridade e este fato exprime a sua unidade. Mas esta caridade não diz respeito a nada terrestre. O homem que tem em si a caridade do Pai e do Filho ama primeiro Deus “de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todas as suas forças”. Pode-se representar a caridade a partir desta passagem como indo do Pai para o Filho e dele para os homens, mas também voltando ao Pai, do Filho e dos homens. Não insistimos mais sobre este assunto, remetendo ao livro de Henryk Pietras, L’amore in Origene onde tudo o que diz respeito ao amor e à caridade é estudado em detalhe. Este ponto marca, portanto, entre Orígenes e Plotino uma diferença essencial, devida à Revelação cristã, entre o Deus neoplatônico, que apesar de algumas expressões que iriam antes no sentido contrário, aparece mais fechado em si mesmo, e o Deus de Orígenes constantemente associado à obra de seu Filho no mundo e para os homens, obra da qual o Pai tem a iniciativa, já que nele está o poder de decisão da Trindade, já que é ele que envia em missão o Filho e o Espírito. Se Deus é bom e ama os homens, ele continua sendo também para eles, como em Plotino, o Bem que é amado: “É uma única e mesma coisa amar a Deus e amar os bens”. Mas o próprio amor pelo qual o homem ama a Deus vem de Deus.
Os autores escolásticos distinguiam um amor concupiscentiae, ou seja, um amor-desejo, de um amor benevolentiae, a saber um amor-doação, ao qual era reservada a palavra caridade: dois amores em sentido oposto: é isso que os modernos designam habitualmente pelas palavras gregas de Eros e Agape, palavras cujo uso antigo é menos unívoco. A consciência nítida desta segunda forma de amor tem a sua origem no Cristianismo e na afirmação de que Deus é Amor, embora ele seja sem desejo. O helenismo provavelmente não a ignorou na prática, mas não teve uma ideia clara dela, embora a noção aristotélica de filia se aproxime dela. Para Plotino, o Um é objeto de amor, mas ele mal parece ser verdadeiramente sujeito de amor, pois ele não tem desejo e o amor parece ligado ao desejo. Para Orígenes, Deus ama, embora ele seja sem desejo, e ele é mesmo a origem do amor, mesmo do amor carnal que é um desvio do qual o homem é responsável. Estas noções são bastante claras nele, embora elas estejam ligadas apenas em certa medida a termos diferentes, o que é também o caso da Escritura, como ele o mostra.
