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PLARD (HPAS) – ANGELUS SILESIUS, ESSÊNCIAS NO VERBO

HPAS

Dos poucos dísticos onde Silesius define a natureza destas essências contidas no Verbo, pode-se tirar um pensamento preciso e, mais uma vez, próximo do pensamento medieval. Um dos mais conhecidos do livro é o seguinte:

A Rosa

A Rosa, que aqui vê teu olho exterior Floresce assim em Deus desde a eternidade.

Die Rose.

Die Rose, welche hier dein aüssres Auge siht, Die hat von Ewigkeit in Gott also geblüht Idealiter. (I, 108.)

A nota indica bem qual é a origem desta noção. A rosa de que se trata é, certamente, esta rosa que contemplo neste mundo, mas ela “floresceu em Deus desde a eternidade” enquanto sua essência está contida no *Mundus ydealis*, segundo a expressão de Eckhart, que é o Verbo Divino. Assim, como ela, todas as criaturas estão contidas em Deus, e ao mesmo tempo emanadas dele (I, 107, 109); elas são fundamentadas no Verbo de Deus, e ao mesmo tempo elas perecem. Isso porque Deus é Ser e as coisas só são por comunicação de seu Ser: na Medida em que estão em Deus, ele lhes confere sua eternidade, na medida em que estão fora de Deus, seu esplendor passa (IV, 96). Cada coisa tem seu ser verdadeiro em Deus e sua existência aparente neste mundo: Silesius dirá que elas estão mais em Deus do que em si (I, 193), pois o devir que as destrói aqui embaixo não atinge o que elas são em Deus. Silesius define com precisão a natureza destas essências: em conformidade com a doutrina que os escolásticos receberam de Aristóteles, são essências individuais e não arquétipos. Platão considera as Ideias como os modelos segundo os quais o demiurgo fabrica as criaturas sensíveis; elas permanecem, portanto, sempre típicas, exteriores e transcendentes à sua reprodução neste mundo. Para a escolástica tomista, ao contrário, só há essência particular, encarnada em uma existência e imanente a ela. Esta é também a doutrina de Silesius: a rosa de que ele fala floresce “assim” (*also*) em Deus desde a eternidade, e sua flor não é uma participação platônica à ideia de Rosa, mas sim um desabrochar em Deus de sua própria essência; em termos modernos, ela tem em Deus não apenas seu “*Da-Sein*”, mas também seu “*So-Sein*”. As essências são todas Deus em Deus, e por isso de igual valor, mas sem deixar de ser elas mesmas: o seixo vale o rubi, a rã é tão bela quanto o serafim (V, 61); e todas são perfeitas pois todas contêm a plenitude do ser; mas permanecem distintas. Além disso, elas têm em Deus sua causa total: não apenas ele é seu substrato, mas também sua forma; Deus, diz Angelus Silesius de forma imagética, é ao mesmo tempo o artífice das coisas e seu modelo — assim nenhuma é sem valor (V, 51); ele é, portanto, sua causa eficiente e sua causa formal, segundo a terminologia escolástica; ele é finalmente sua causa final, pois é a ele que as criaturas buscam desde sua criação (I, 110). Pelo menos em uma passagem (III, 199), pareceria que as diversas formas que a causalidade de Deus assume em relação às essências corresponderiam à sua diferenciação na Trindade: ele seria sua base, sua matéria enquanto Pai, sua “direção”, ou forma enquanto Filho, e abençoaria o mundo por seu amor enquanto Espírito. Seja como for, as coisas aparecem no mundo como formadas à sua imagem, e o revelam, portanto, enquanto sua essência transparece nelas: vimos acima que o menor fio de grama prova que Deus é Trindade, e são numerosas as passagens onde as criaturas são definidas como a voz do Verbo eterno (I, 264, 270; IV, 193), o caminho para Deus (II, 114; III, 102), sua imagem (IV, 64; V, 86; II, 48). Assim se explica também que Deus esteja em todas as coisas, e em nenhuma ao mesmo tempo: ele deve ser necessariamente imanente aos próprios demônios (V, 261; cf. II, 132), segundo a ideia do Areopagita, pois o que é só é por participação em seu Ser; mas ele é ao mesmo tempo transcendente a todas as criaturas, pois as cria, transcendente enquanto Criador, imanente enquanto Verbo. Esta posição implica um otimismo “radical” no sentido próprio da palavra, diante do mundo: o mundo é belo e bom pois participa da Beleza e da Bondade supremas, e é um ponto de vista humano discernir nele um objeto feio ou sem valor: tudo nele é perfeito (IV, 160; V, 51, 61) na escala dos seres. Tudo nele é também revelação de Deus onde, como dizia Mestre Eckhart, “todas as coisas estão cheias de Deus e são um livro” Sermão *Quasi Stella matutina* (Büttner, p. 143). Mesma imagem em Silesius, V, 86.. Tal é em sua permanência a primeira criação, a do “*Mundus idealis*”.

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