PLARD (HPAS) – ANGELUS SILESIUS. DEUS: O TUDO E O NADA, E O AMOR
HPAS
A ideia de Deus, paralelamente à consciência do homem, sofre a prova de uma dialética dos extremos. “Nomeie o que ele é? E nomeie o que ele não é?” (V, 197). Ele é, de fato, “Tudo e Nada”, e isso não é uma contradição: Dionísio, o Areopagita, insiste repetidamente nessa ideia: de Deus emanam todas as coisas, elas só existem por participação em seu ser, o bem só é bom, o ser só é ser por Deus, que, no entanto, não se esgota nessa qualificação: ele flui e permanece em si mesmo. Ele flui, diz Silesius, pois é a coisa mais “comum” (*gemein*) que existe no mundo; ele se torna “comum” III, 172: “O mais nobre é o mais comum.” a todas as criaturas sem distinção como o sol; assim, tudo tem para ele o mesmo valor, “tudo é um” (I, 127; IV, 71), mosca e anjo; contudo, o paradoxo Divino quer que, sendo comum a tudo, ele permaneça “em todas as coisas” e, no entanto, “comum a nenhuma” (V, 261); Silesius pôde afirmar no mesmo dístico que o ser próprio de Deus é “fluir nas criaturas” e “ser sempre o mesmo, nada ter, nada querer, nada saber” (II, 132). Em termos de filosofia, Deus é ao mesmo tempo imanente e transcendente. Na Medida em que é imanente, todos os nomes lhe cabem por direito, já que tudo só é por ele; mas é uma blasfêmia dar-lhe um nome de criatura: toda afirmação sobre Deus é mais mentira do que verdade (é verdade até certo ponto, dissemos, mas a mentira prevalece): pois é estimar Deus a partir da criatura (V, 124).
Deus é, portanto, uma indeterminação absoluta, uma superioridade a todas as afirmações, mas também a possibilidade de todas as afirmações. Ele é “o que eu quero” (I, 184), mas apenas em sua relação comigo ou com o mundo, onde seu absoluto impõe um relativo, e assim atinge uma autolimitação; ele, que é eternamente Princípio, encontra no homem seu fim, seu limite (II, 189); ele pode, portanto, a cada momento descer ao plano do criado e adquirir um sentido positivo. Mas ele também é uma impossibilidade constante de determinações, sejam elas espaciais ou, mais sutilmente, positivas ou morais — o Agora, o Algo, o Nada Espaciais: I, 170, 171; Positivas: II, 153.. Ele é os contrastes, e sua negação um pelo outro, e sua unidade: “Pequeno como a menor coisa, grande como tudo, necessariamente” (II, 40). Esse é o sentido da fórmula: “Deus é Tudo e Nada”: para sugerir sua indeterminação absoluta, o homem só pode colocar dois termos que se excluem reciprocamente, e sua unidade em Deus. Percebe-se aqui, em flagrante, o nascimento da noção, impressionante em Silesius, de “super-nada” (*Uebernichts*) — que ele também representa pelo símbolo de um deserto mais alto que Deus. “Deus é Nada” significa, não que Deus é vazio, mas que é indeterminado. A série dos números inteiros está situada entre o zero e o infinito que, ambos, não têm existência: no entanto, não há nenhuma medida comum entre essas duas formas de não-ser. Assim, Deus é Nada porque infinito; e é ainda mais do que isso, pois subsiste uma determinação na própria noção de nada: ele é, portanto, “mais que Nada” (*Uebernichts* - I, III), ou “mais que Deidade” (*Uebergottheit* - I, 15) — abismo, noite, morte, de onde paradoxalmente jorra toda vida:
Quem teria pensado! Da escuridão vem a luz, A vida da morte, o Algo do Nada.
Wer hätte dass vermeint! aus Finsternüss komts Licht, Dass Leben auss dem Tod, dasset was auss dem Nicht. (IV, 163.)
E, no entanto, há um dos aspectos de Deus que escapa a essa dialética, pois, quando ele desaparece, Deus não é mais Deus, mas Deidade; e isso, sem dúvida, porque não se trata de uma qualidade objetiva ou de um simples predicado, como a bondade ou a essência, mas sim daquilo que aparece em toda experiência mística como a natureza profunda de Deus: é o amor. Deus é amor, e por essa experiência a especulação de Silesius escapa à ontologia um tanto seca, à dialética por vezes formal em que corria o risco de cair. Com essa afirmação enérgica, insistente, do amor de Deus, enquanto, racionalmente, é tão fácil rejeitá-la como uma concepção totalmente antropomórfica do Absoluto, o elemento irracional, vivo, inexplicável de Deus se manifesta em sua mística, assim como Deus, no tratado de Eckhart, transparecia através dos nomes de Essência e de Nada, por mais próximos que fossem de seu ser. Vimos em que o conhecimento místico, tal como definido por Silesius, se opõe ao conhecimento conceitual; vemos aqui o que o eleva acima da ontologia, fosse ela a de um Dionísio, o Areopagita, em quem a noção de amor divino é inexistente. Silesius sentiu essa diferença entre o amor e os outros Nomes Divinos: “Não há nomes que convêm bem a Deus, só se o chama Amor” (V, 245), ou, ainda mais fortemente: “Deus é o próprio amor e nada faz senão amar” (V, 246).
É preciso que Deus ame, é sua essência e como a fatalidade de sua Divindade: “Ele nada mais pode fazer” (V, 243); é no amor que está sua felicidade e sua vida“ V, 244. Deus só vive pelo amor (I, 70).. E, sem dúvida, esse amor só vai para si mesmo, de modo que pode parecer, em relação ao mundo, indiferença. Seria mais exato dizer que ele está à parte do mundo; em nenhum lugar Silesius diz que Deus não ama, mas, repetidas vezes, ele sublinha que o pecado não o fere, não o toca, pelo menos enquanto Deidade, que o homem pode se desviar dele sem que ele o sinta (V, 56, 328). Não há aí um perigo, e a ontologia essencial não se reintroduzirá no coração do amor de Deus, separando-o novamente da criatura, retirando-lhe esse último valor positivo e negando a experiência do místico, a de um Amor infinito? Silesius evita essa tentação: Deus, diz ele, só ama a si mesmo — e aquele que em seu Filho é um outro ele (I, 45); em seu filho, ele é, em verdade, ferido por nossa indiferença ou nosso pecado (V, 328); no centro de seu pensamento religioso se reposiciona o paradoxo do amor divino, esse mistério mais profundo do que os de seu ser ao mesmo tempo transcendente e imanente, porque ele se refere, não à sua relação com a criação, mas à sua relação com o próprio homem — mistério de Jesus O amor “arrasta Deus para a morte” (II, 2). Deus morre para viver “para ti” (I, 33; III, 36; IV, 52)., que o faz exclamar:
Deus por nada é ferido, nunca sentiu dor, E, no entanto, minha alma pode feri-Lo no coração.
Man kan auch Gott verwunden. Gott wird von nichts verletzt, hat nie klein Leyd empfunden; Und doch kan meine Seel Ihm gar dass Hertz verwunden. (III, 202.)
A relação mais íntima de Deus e do homem não é, portanto, uma comunhão no Nada original da Superdeidade. Mais forte do que qualquer pensamento, o amor os une. A Teologia Negativa é a única maneira pela qual o homem pode, senão pensar em Deus, pelo menos aproximar-se dele até roçar por instantes essa essência que lhe escapa. Mas ela não permanece presa nos limites do espírito humano? É um caminho para Deus, o saber, mas lento, e o “alto espírito” deve esperar muito tempo no átrio de Deus; pela porta do amor, o homem entra na casa de Deus sem se anunciar (V, 302, 307, 320). Esse pensamento está em conformidade com a doutrina sobre a divinização do homem, único meio que ele tem de conhecer Deus: o conhecimento mantém algo de decepcionante, pois, positivo ou negativo, ele se dirige apenas a um “Ele” divino, enquanto o amor só conhece Deus como “Tu”: “Deus não é isto nem aquilo…”, mas “Tu e eu, nada mais…” Sem o amor, a virtude não tem beleza (V, 289), a sabedoria é louca (V, 294), a fé vazia e morta (III, 164; V, 108): ele é a “regra de ouro” que torna tudo possível (V, 312). Mas ele não busca recompensa: sua única recompensa será a divinização, uma felicidade à sua medida (II, 2; V, 295), que o conhecimento nunca conseguia atingir por completo. São Paulo já dizia que nosso conhecimento é imperfeito e desaparecerá, mas que o amor nunca passará (I Cor., XIII, 8-10) Parafraseado por Silesius, III, 160.; como ele, Silesius estabelece a exigência de um amor perfeito nesta vida:
Assim, para ser Deus, ama a cada momento. Drumb wo du Goti wilt sein, Lieb auch in jedem nun. (V, 243)
E ele tinha consciência da filiação espiritual de sua doutrina do amor: ele cita Santo Agostinho: “Transforma-se no que se ama, segundo Santo Agostinho” (V, 200). A maioria de seus pensamentos sobre o papel do amor na vida mística estão contidos no quinto livro do *Peregrino Querubínico*; os dois primeiros livros, ao contrário, insistem nitidamente na deiformidade pela negação; é permitido tirar conclusões sobre a evolução interior de Johann Scheffler, sobretudo se admitirmos, como o fizemos, que o quinto livro é contemporâneo de sua conversão, ou do tempo que a seguiu. Amor e conhecimento lutaram em sua alma, e às vezes parece que o conhecimento, essa ascensão sem fim pela negação, prevalece nele: ele concebe novamente uma união com Deus superior ao próprio amor, que se tornaria, então, apenas um estágio a mais a ser superado na ascensão da alma (II, 1). Mas pode-se dizer que, nos três últimos livros, a mística do amor o inspira em toda parte, e se traduz em ternura pelo Menino Jesus, em paixão pelo Cristo crucificado, em amor nupcial por Deus, em intimidade da alma e de Deus. E é aí que sua mística, em última análise, culmina. Não só “o amor está acima do saber” (III, 156), mas a própria ignorância em que o homem se encontra diante de Deus só faz atrair seu amor:
Ama-se também sem conhecer. Amo uma única coisa, e não sei o que ela é: E é esse não-saber que me fez escolhê-la.
Man liebt auch ohn erkennen Ich lieb ein eintzig Ding, und weiss nicht was es ist: Und weil ich es nicht weiss, drum hab ich es erkist. (I, 43).
Tal ignorância define o estado de espírito do jovem Scheffler ao entrar na vida mística. Mas logo seu olhar se iluminará, ele conhecerá o mistério do amor divino e saberá que o amor com que ele ama a Deus é a força de Deus nele (V, 296), uma parte do amor com que Deus se ama, que parte dele e retorna a ele, arrastando a alma humana (V, 297). À palavra de Pascal: “Consola-te, tu não me buscarias se já não me tivesses encontrado”, respondem, em uma forma menos pura, mas com a mesma beleza no pensamento, os versos de Silesius:
Deus vem antes que o desejes. Se desejas Deus e queres ser Seu Filho, Ele já está em ti, e é Ele quem te inspira.
Gott komt eh du jhn begehrest. sein: Wenn dich nach Gott verlangt, und wüntschst sein Kind zu Ist Er schon vor in dir, und giebt dir solches ein. (V, 284).
O amor é o verdadeiro conhecimento de Deus — tal é o princípio que guiará Johann Scheffler a partir de então. Sem dúvida, isso explica por que, nele, a mística do conhecimento “querubínico” é pouco a pouco absorvida em uma mística “serafínica” do amor. É por amor também, segundo seu próprio testemunho, que ele dedicará seu tempo e esforço à conversão dos heréticos, que ele se tirará do “amável fervor do qual a *Celeste Psique*, apaixonada por seu Jesus, e o *Peregrino Querubínico*, assim como outros, testemunham…”. “Mas o amor de Cristo me forçava, porque, segundo Santo Agostinho, eu não desejava apenas que todos pudessem viver com ele, mas via que eu também devia dedicar meus esforços a isso Prefácio da *Ecclesiologia* (1676). Citado de Seltmann, p. 42..”. Por mais paradoxal que possa parecer, é o amor que une nele o pensador místico ao guerreiro da Igreja; ele está no centro de sua vida, “zelo e aspiração ardente”, assim como Deus está no centro de seu pensamento.
