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DIDACHE

Didache ou a Doutrina dos Doze Apóstolos (90-100 dC)

* A sistematização cristã da Antiguidade, em sua gênese e desenvolvimento primordial, emerge das demandas pragmáticas do ambiente escolar, assemelhando-se formalmente à escolástica posterior, todavia dela se distanciando por não visar exclusivamente a uma erudição científico-teológica, mas sim buscar a conversão e a fundamentação instrutiva daqueles que ainda não integravam a fé, configurando-se, portanto, como uma extensão orgânica do kerigma e da pregação missionária cristã. Antes mesmo da cristalização de instituições voltadas ao ensino catequético, a necessidade de organizar um corpo doutrinário que possuísse Autoridade oficial e ordem lógica engendrou duas formas fundamentais de pregação integral que assumiram um caráter canônico, sendo a primeira delas o Símbolo dos Apóstolos, que concentra a totalidade histórica do conteúdo da fé, independentemente de sua composição remontar efetivamente à era apostólica, como defendem Bardenhewer, Kihn e Loofs, ou de ter surgido sob o impulso apologético do século II para fixar fatos dogmáticos contra o Gnosticismo, conforme as teses de Ehrardt e Harnack, permanecendo tal símbolo, até os dias de Tomas de Aquino e a contemporaneidade, como o alicerce inabalável da exposição doutrinária. * Paralelamente à síntese dogmática, identifica-se uma suma embrionária dedicada à regulamentação da conduta vital cristã, consubstanciada na Didake, ou Doutrina do Senhor por meio de seus doze apóstolos aos cristãos-pagãos, obra redigida possivelmente por volta do ano 100 que se revela uma peça de maestria em termos de sistematização orgânica e desperta um interesse singular para a análise filosófico-cultural moderna, a qual, em simetria com a pregação doutrinária, volta a reconhecer o valor imenso da ordenação prática da existência. A Didake articula, em seus capítulos iniciais, um resumo da moralidade cristã que define a essência da religião através do duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo, estendendo-se ao amor aos inimigos e aprofundando o decálogo em uma perspectiva de Interioridade que transcende modelos de propaganda judaica, ao passo que integra ao quarto mandamento o respeito às autoridades e seus servidores, além de estabelecer um catálogo de vícios de profunda repercussão na ética posterior e prescrever normas alimentares que consolidam uma exposição integral da ordem moral poucas vezes replicada com tamanha coesão. * A estrutura da Didake prossegue em sua segunda parte com uma sistematização sacramental que abarca o batismo, o jejum, a oração e a Eucaristia, inaugurando uma ordem de vida cuja significação modeladora dificilmente pode ser apreendida pelas categorias morais contemporâneas, as quais permanecem atadas a uma ética erudita e abstrata que negligencia a influência sociológica decisiva das regulamentações ético-religiosas vinculadas ao culto Divino. Sob a ótica de uma ética autêntica e abrangente, os ritos, os costumes jurídicos e as práticas econômicas constituem elementos indissociáveis da moralidade, exigindo o emprego de um conceito de ética que comporte essa amplitude vital em que a dimensão litúrgica atua como força formadora do caráter e da coletividade. * O ordenamento proposto expande-se em uma terceira seção dedicada ao direito eclesiástico e à doutrina dos estados, abordando nos capítulos finais a situação jurídica e sacramental de figuras proeminentes como bispos, evangelistas, profetas e mestres, além de fixar normas canônicas sobre o dízimo, a celebração dominical e os processos eletivos episcopais, germinando ali o edifício que se tornaria o direito canônico. Esta doutrina dos estados, ao se configurar como a forma primeva de uma ética personalista voltada para a tradução da vida em tipos representativos, estabelece a Didake como um sistema perfeito da moral cristã em que a simplicidade formal não oculta a complexidade de uma moralidade fundada tanto em princípios universais quanto em costumes litúrgicos e profissionais rigorosamente ordenados.

(Excertos de Alois Dempf, La concepcion del mundo en la Edad Media)

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