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Plard (HPAS) – Angelus Silesius, conhecimento e amor

HPAS Apesar da profunda paixão e da vasta erudição, o Peregrino Querubínico não se tornou denso ou obscureceu a clareza fria e cristalina que, em seus versos mais belos, constitui seu extremo charme intelectual. Böhme lutou por toda a sua existência contra conhecimentos mal assimilados e dúvidas ainda dolorosas, e seus livros, de forma confusa, dão a impressão de um caos fértil. As epigramas de Silesius, por outro lado, nada retiveram de tal; tudo se traduz em termos de pensamento, e a intensidade de seu autor apenas impulsiona seu espírito. O livro de Scheffler trata de um retorno a Deus, e em primeiro lugar, pela via do conhecimento. Esse é o significado do título, que se tornou seu a partir da segunda edição (1675): Der Cherubinische Wandersmann (O Peregrino Querubínico), que une a ideia de uma jornada em direção a Deus e a ideia de conhecimento, ou, mais precisamente, a sabedoria como princípio dessa jornada. Os querubins, na hierarquia angélica tradicional, são “penetrados e transfigurados por essa sabedoria” de Deus 1). Assim, no século XVII, distinguia-se uma mística serafínica, que apela aos ardores, ao amor, ao êxtase, e uma mística querubínica, de caráter especulativo; duas tendências, uma das quais domina a Celeste Psique e a outra, no geral, o Peregrino Querubínico. No entanto, não há êxtase sem teologia, mesmo que mística; nem há sabedoria em Deus sem amor; e se o conhecimento místico não tem nenhuma medida comum com o conhecimento conceitual, ele tem seu caminho, suas condições e seus postulados rigorosos, que procuraremos extrair do Peregrino Querubínico. Angelus Silesius não ignora a existência do saber humano. Ele não o nega inteiramente como meio de retorno a Deus: a ciência é um caminho onde se avança lentamente (V, 320), mas onde, ainda assim, se avança. Mas a que pode levar esse conhecimento humano? A ler Deus no mundo, a reencontrá-lo sob todos os conhecimentos parciais? Isso também não é impossível, já que toda coisa é imagem de Deus; mas encontrá-lo assim é uma graça particular, a da sabedoria: como o círculo em seu centro, o fruto na semente, Deus está oculto no mundo, e sábio é quem o busca ali (IV, 158)! Esse sábio vê Deus em tudo, um grão de poeira, um grão de mostarda (IV, 160); mas é porque seu espírito já sabe que ele está ali contido. O conhecimento do mundo, portanto, para ser profundo, deve ser precedido pelo de Deus 2). Para os espíritos cegos, ele é um grande perigo: só pode ser fragmentário e transforma o espírito em um fogo-fátuo (III, 162) dançando de objeto em objeto, inchando-o de orgulho se ele mede seu valor pelo volume de seu saber (V, 84); e, aliás, a libido sciendi não provém do orgulho que fez Adão cair em pecado (V, 85)? Mesmo quando não é para o espírito uma ocasião de queda, ela o aprisiona nas aparências, sob qualquer forma: que ele encontre a beleza nas cores do mundo, a satisfação em sua vida vazia 3); ou que, como o alquimista e Frankenberg, ele tenha acreditado atingir a essência dos fenômenos em uma teosofia, simples símbolo, de fato, de realidades mais profundas (I, 258, 280). Todos são vítimas de uma ilusão que os faz buscar a verdade fora de si mesmos, enquanto o valor de todo conhecimento se funda no homem: “Homem, entra em ti mesmo” (III, 118). Buscar Deus em outro lugar que não em si mesmo é condenar-se a nunca o encontrar (I, 82, 298). O movimento do conhecimento conceitual vai para o exterior, as coisas; Angelus Silesius convida o espírito do homem ao que chamaríamos de introversão: o mundo fluiu para fora de Deus, e beber a água em outro lugar que não em sua “fonte pura e clara” (I, 119) é um perigo. Deus é um, isto é, é preciso, antes de apreendê-lo, um esforço para unificar o espírito, que se fecha em si e, nessa unidade interior, deve pouco a pouco reduzir a consciência até não ser mais do que um Uno sem alteridade (IV, 10, 224, 281): ele possui então a felicidade do conhecimento perfeito, pois obtém assim uma visão do todo no um: em vez de dispersar sua consciência sobre o mundo do múltiplo, ele está, de certa forma, no foco da luz divina, na fonte da sabedoria: Em Deus se vê tudo de uma só vez. Amigo, vendo a Deus, percebe-se de uma só vez O que de outra forma jamais se veria sem Ele.

In Gott schaut man alles auf einmal Freund wann man Gott beschaut, schaut man auf einmahl an, Was man sonst ewig nicht ohn ihn durchchauen kan. (V, 217.) O conhecimento conceitual do mundo é, portanto, tornado inútil pelo conhecimento místico onde o homem, em um único ato de pensamento, apreende Deus, o mundo e a si mesmo 4).

1)
Ruysbroeck, Le livre du Royaume des Amants, cap. XXXI; cf. São Boaventura, Itinerarium, cap. IV: “Deus nos Serafins ama como caridade, nos Querubins conhece como Verdade”, e sua referência a São Bernardo.
2)
Fazer a criatura preceder Deus é retirar-lhe todo o valor: V, 5; e esse princípio vale tanto para o conhecimento quanto para a vida moral.
3)
III, 102; a função das criaturas deve ser apenas a de levar a Deus (II, 114).
4)
Ellinger distingue em Angelus Silesius um conhecimento sensível, um conhecimento racional e um conhecimento místico. Essa distinção, inspirada sem dúvida por um paralelismo com os três gêneros de conhecimento em Spinoza, não se baseia no próprio texto de Silesius. Ela se aplicaria a Mestre Eckhart, para quem o conceito, unidade do diverso das sensações e dos objetos, é uma etapa do retorno do mundo a Deus pelo espírito do homem; mas em nenhum lugar Silesius distingue o conceito dos dados sensíveis.
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