- Como a alma, enquanto ainda está no corpo, pode ter um antegozo da felicidade eterna.*
Capítulo 8
Pergunta-se se é possível que a alma, enquanto está no corpo, possa chegar a lançar um olhar na eternidade e assim ter um gosto da Vida Eterna e da felicidade eterna. Responde-se comumente não e é verdade no sentido de que, enquanto a alma olha para o corpo e para as coisas que o servem e lhe pertencem, para o tempo e para a criatura, enquanto ela perde por isso sua forma, se preocupa com essas coisas e se dispersa, enquanto assim for, isso não pode ser. Se a alma deve chegar a isso, é preciso que esteja inteiramente purificada, livre e despojada de todas as imagens e também inteiramente desapegada de todas as criaturas e antes de tudo de si mesma. Muitos estimam que isso é inviável e impossível no tempo. Mas São Dionísio quer que isso seja possível; aprende-se pelos termos de sua carta a Timóteo onde diz: “Para contemplar o mistério Divino deves deixar os sentidos, o mundo dos sentidos, tudo o que a natureza sensível pode compreender e a razão pode operar segundo ela mesma, tudo o que a razão pode compreender e conhecer, criado ou incriado; esforça-te somente para sair de ti mesmo e para permanecer na ignorância de tudo o que acaba de ser dito e para te unires ao que transcende todo ser e todo conhecimento”. Se não considerasse isso possível no tempo, por que o ensinaria e o aconselharia a um homem que está no tempo? Deve-se saber também que um mestre* diz a propósito das palavras de São Dionísio que isso é possível e que isso pode ocorrer com tanta frequência para um homem que ele se habitua e entra então em contemplação tantas vezes quanto quiser. Pois, se uma coisa parece no começo muito difícil, estranha e inteiramente impossível, quando se aplica a isso com todo o zelo e toda a rigor, quando se persevera, o que parecia anteriormente impossível torna-se então muito fácil e banal: não serve, de fato, para nada começar se não se chega a um bom fim.
Não há nenhum desses nobres olhares que não seja melhor, mais digno, mais elevado e mais amável a Deus do que tudo o que todas as criaturas podem realizar enquanto criaturas. Assim que o homem entra em si mesmo com seu coração e toda a sua vontade e assim que faz seu espírito penetrar no espírito de Deus acima do tempo, tudo o que jamais foi perdido é restituído em um piscar de olhos. E se o homem pudesse fazê-lo mil vezes por dia, seria sempre uma verdadeira união nova, e nesta amável operação divina se realiza a união mais verdadeira e mais pura que possa haver no tempo; pois quem a alcança não faz outra pergunta: de fato, encontrou na terra o reino dos céus e a vida eterna.