ANSTETT (ATG) – NADIFICAÇÃO

Assim como o parcial não deve afirmar-se como um todo se deseja aperfeiçoar-se no e pelo todo do qual é fragmento, a criatura deve despojar-se de si mesma, morrer para si mesma, para tornar-se o que era na eternidade do incriado - antes que, criada no tempo, transformasse sua condição criatural em realidade própria e absoluta, autossuficiente e não renunciante. Esta é, em formulações e imagens diversas, a substância das exortações místicas ao desapego (cf. o tratado de Eckhart; Tratados, p. 160 ss.), resumida numa expressão do mesmo Eckhart: “Se Deus deve entrar, a criatura deve sair” (Pfeiffer, p. 12).

Antes de entrar no Templo, Cristo expulsou aqueles que obstruíam seu átrio, recorda Eckhart em um sermão (Sermões, I, p. 47). Para ele, quando se declara felizes os mortos no Senhor, não se trata da morte física, mas da morte espiritual a si mesmo que permite ao Senhor viver em nós e a nós vivermos n'Ele e por Ele (Pfeiffer, p. 83, 138, 242, 258).

Tauler ensina que, como Deus criou o mundo a partir do nada, é aniquilando-se que a alma pode aceder ao Nada Divino, assim como Deus morreu por nós e nós devemos morrer por Ele. Suso afirma que se deve “ser arrebatado de si mesmo sem si mesmo”, e ao comentar a resposta do Batista “non sum”, detém-se na parábola do grão que deve morrer para dar fruto (Obras, p. 284,458 ss.), sobre a qual Eckhart também pregara (Sermões, II, p. 116, 121).

“Deixa tudo e encontrarás tudo”, exorta a Imitação (III, XXXII, 501/4). Para Eckhart, deixar tudo, esvaziar-se de tudo, implica deixar até mesmo Deus - isto é, esvaziar-se das concepções que as criaturas fazem de Deus a partir de suas manifestações na criação e dos atributos que assim Lhe são conferidos. A vida espiritual só é perfeita quando se torna a própria vida do ser de Deus, daquilo pelo qual Deus é pura e verdadeiramente Deus. Por mais divinas que sejam as operações que procedem na Criação deste ser essencial, não devem fazer com que nos detenhamos nelas, negligenciando o fundo misterioso de onde seu Autor as faz passar do invisível ao visível.

Se, como diz Eckhart, “Deus é Deus porque é sem criatura” (Sermões, II, p. 52), é até este Deus sem criatura que a alma deve tender. Tudo o que a criatura pode conceber de Deus enquanto Ele não está sem criatura constitui obstáculo no caminho da alma para o próprio Deus em Si, em Seu ser essencial. Por outro lado, se a criatura Renuncia a si mesma numa Pobreza de Espírito tal que deixe tudo o que pensava, acreditava e amava de Deus segundo o que conhecia d'Ele como criatura na criação, então abre-se ao próprio ser de Deus, a Deus em Si, para que Ele a preencha.

O aniquilamento é a condição para que o existente aceda ao ser (Pfeiffer, p. 566, 574, 575). Por maior que seja o espaço dedicado na T G às instruções morais, elas possuem, portanto, um fundamento ontológico místico.