Jean-Claude Larchet — A vida após a morte segundo a Tradição ortodoxa
Os padres são unânimes em considerar que Deus não criou a morte: Sabedoria 1, 13-14: Deus não fez a morte, Ele não Se regozija da perda de viventes. Ele tudo criou para que tudo subsista: as criaturas do mundo são salutares, nelas não há substância destrutiva.
A morte não tem realidade positiva: ela só existe pela perda da vida; faz parte dos males que só existem pela perda ou ausência do bem; ora Deus criou o mundo inteiramente bom e deu ao homem a vida como um bem.
O homem era por conseguinte imortal? Muitos Padres respondem positivamente e consideram que a morte era totalmente estranha à natureza própria do homem; mas outros hesitam em fazer tal afirmação. Se apoiando sobre o versículo do Gênesis (2,7), segundo o qual “Deus formou o homem do pó da terra” (vide Paul Nothomb), estes últimos, preocupados em manter a distinção entre o criado e o incriado, supõem que o corpo do homem era em sua primeira origem e segundo sua natureza própria um composto instável, corruptível e mortal. Alguns Padres preferem dizer, com certos nuances, que o homem foi criado “visando à incorruptibilidade” ou “visando à imortalidade” (Gregório de Nissa), ou que pertencia a sua natureza tender a participar da imortalidade divina (Gregório de Nissa); eles falam ainda da incorruptibilidade e da imortalidade “prometidas” Santo Atanásio da Alexandria), indicando que elas não eram de pronto definitivamente adquiridas como teriam sido se tivessem sido propriedades ligadas à natureza mesma do homem.
Os Padres se entendem com efeito para afirmar que a incorruptibilidade e a imortalidade do primeiro homem eram devidas somente à graça divina. Logo depois de ter criado o homem do pó do solo, Deus, diz o Gênesis, “soprou sobre sua face um sopro de vida e o homem se tornou um ser vivo”; neste sopro os Padres viram a alma, mas também o Espírito Divino (Gregório Palamas). É porque eles estavam penetrados das energias divinas que sua alma e seu corpo possuíam qualidades sobrenaturais. Assim, São Gregório Palamas (Homilias LVII) nota que “a graça divina preencheu por numerosos benefícios à insuficiência de nossa natureza”. É por esta graça também que o corpo tornou-se incorruptível e imortal (Basílio). Santo Atanásio da Alexandria fala do homem vivendo uma “vida imortal” enquanto “possuindo os dons de Deus e o poder próprio que lhe vêm do Verbo do Pai”, e ele nota que “os homens eram de uma natureza corruptível, mas” que, “pela graça da participação do Verbo”, eles podiam “escapar a esta condição de sua natureza, a não ser por causa do Verbo que estava presente neles, a corrupção da natureza não estaria aproximando deles”. —