Antonio Orbe Nos primeiros séculos em torno da aparição do logos, alguns escritos descrevem o mistério desde a vertente do Logos como “assimilação, apropriação, assunção, vestição”. O Filho de Deus “assume” substâncias ou elementos de natureza variada para salvar por seu meio aos homens. O acento é sobre a “apropriação” — pelo Logos — do espírito, alma e corpo carne) peculiares ao homem.
Segundo as substâncias assumidas pelo Filho de Deus, conviria distinguir três aspectos fundamentais: a) “espiritualização”, ou assunção do pneuma; b) “animação”, apropriação da alma (racional); c) “encarnação”, assimilação da carne (sarx).
Os três aspectos têm sua importância. E talvez, conforme à soteriologia gnóstica, decrescem em ordem de dignidade. Mais importa para os heterodoxos a “espiritualização” do Logos que sua “animação”, e mais esta última que sua “encarnação”. O interesse dos mistérios se mede conforme a sua vinculação à salvação, de um lado, e à dignidade da salvação a que se ordenam, por outro. Se, gnosticamente falando importa, sobretudo, a salvação dos indivíduos “espirituais”, o primeiro na aparição do Logos entre os homens será sua “espiritualização” (=assunção do pneuma). A “animação” (= apropriação da alma racional) virá depois. E somente por último lugar se deixará sentir a estrita “encarnação” (= “vestição” do corpo).
Dentro da perspectiva heterodoxa, a “encarnação” forma parte do mistério global da assunção pelo Logos das substâncias (= gêneros) humanas. Como apropriação da natureza íntima do homem, a estrita “encarnação” não somente se subordina à “animação” e à “espiritualização”, mas — para alguns gnósticos — resulta inteiramente secundária e cede posto à “encarnação sui generis” necessária e suficiente para salvar a rigorosa “animação” e “espiritualização” do Filho de Deus entre os homens. Se o Logos pudesse “salvar” a “alma” (resp. linhagem racional humana) e o “pneuma” (resp. linhagem espiritual humana) sem aparecer (sensivelmente) e viver (e morrer) entre os homens, sobraria o mistério da “encarnação”.
Mas na atual ordem de coisas não lhe bastam simplesmente, as duas essências salváveis (pneuma e alma racional). Além de assumir as primícias das duas igrejas chamadas à salvação, o Logos deve aparecer entre os homens, anunciar-lhes sua doutrina, morrer nas mãos deles. Para tal fim a “encarnação” ou parusia entre os homens carnais.