Ernst Benz — Descrição do Cristianismo Tradução de Carlos Almeida Pereira
O monaquismo é uma instituição que brotou do ideal cristão da perfeição. Suas raízes remontam ao século I e ele continua vivo na igreja antiga, como já podemos ver pelo nome de “perfeitos” téleioi), dado aos batizados. O monaquismo da igreja antiga tem por significado o equiparar a “perfeição” à ascese, à fuga do mundo. Está associada a ele a ideia de que o cristianismo perfeito só pode ser encontrado no altíssimo amor a Deus e ao próximo. A disciplina monástica é um meio externo para se alcançar o perfeito amor a Deus e ao próximo. Este caminho da perfeição apenas poucas pessoas especialmente agraciadas o conseguem percorrer, a massa não possui, interior e exteriormente, capacidade para a prática da ascese. Por isso as regras da vida monástica não foram consideradas como um “mandamento” obrigando a todos, mas como um “conselho” dirigido aos que são chamados. A distinção entre mandamento e conselho já se encontra entre os “lógia”, os ensinamentos de Jesus. Ele não ordena que “se seja continente por causa do Reino dos Céus”, mas apenas o recomenda aos que forem capazes de o “entender” (Mt 19,12). Já bem cedo homens e mulheres ascetas e celibatários são reconhecidos na Igreja como um estado especial; já nas CARTAS DE PAULO o celibato é enaltecido. O núcleo das comunidades é formado pelos cristãos de mentalidade ascética. Mais tarde (Tertuliano), ao estabelecer a distinção entre conselho (“suasum”) e mandamento (“iussum”), a igreja está em perfeita sintonia com esta concepção cristã de seus tempos mais remotos. Na teologia da igreja antiga, em Clemente de Alexandria e Orígenes, os mentores da escola catequética de Alexandria por volta da passagem do século II para o III século, já se esboça a singular ligação entre ascese e mística, que posteriormente haveria de tornar-se a base espiritual do monaquismo no Oriente e em parte também no Ocidente.
Já bem cedo encontramos a prática de os ascetas morarem fora da comunidade, longe das cidades, na solidão do campo e em recintos cercados. Só através desta separação é que o conceito do monge (“mónachos”), além do significado de perfeito, único, passa a ter também o sentido de alguém separado, no sentido espacial. Na forma de vida destes monges são adotadas formas claramente marcadas por modelos mais antigos de comunidades religiosas, modelos estes provenientes do judaísmo e do helenismo, como os grupos quase-mo-násticos dos pitagóricos, assim como — na esfera do judaísmo tardio — dos essênios (Qumran). O monaquismo se transformou numa instituição fixa da igreja cristã no século IV, quando a corrente ascética tornou-se mais forte dentro da Igreja. Esta corrente não deve seu surgimento à decadência da população urbana da antiguidade, como muitas vezes se tem afirmado; pelo contrário, ela é sustentada exatamente pela população rural não aproveitada do Egito e da Síria. Sua motivação principal deve ser procurada no próprio entusiasmo pela ascese. Os ascetas não queriam mais viver nas proximidades das cidades. Partindo do desejo de viver um isolamento ainda mais completo, eles procuraram os túmulos, as povoações humanas abandonadas e em ruínas, as cavernas, e por fim o “grande deserto”. A tarefa principal dos ascetas, a luta contra os demônios, experimenta com isto uma grande intensificação; pois o deserto era tido como o lugar onde moravam os demônios, como o lugar de refúgio dos deuses pagãos em fuga diante da vitória do cristianismo. A difusão do cristianismo nas cidades do Egito e o florescimento do monaquismo egípcio no deserto no século IV constituem, desta forma, o verso e reverso de um mesmo processo. Como, em consequência da reviravolta da política religiosa imperial, as massas acorriam às igrejas, cresceu também o número dos lutadores que buscavam a perfeição decidindo retirar-se para o deserto.
A própria Igreja, na Medida de suas forças, favoreceu esta evolução. Foi precisamente o bispo de maior envergadura intelectual e política do século IV, Atanásio de Alexandria (295-373), que em sua “Vida de Santo Antônio” descreveu a vida de ermitão no deserto e o tremendo combate dos ascetas contra os demônios, como o modelo da vida de perfeição cristã. Esta obra significou a aprovação do monaquismo pela Igreja, ou mesmo a propaganda deste ideal.
O passo seguinte foi dado pelo fato de os próprios eremitas no deserto, depois de se haverem colocado sob a direção de um Pai-monge de eminente espiritualidade e se reunido em comunidades de culto, de orientação espiritual e de instrução bíblica, se congregarem também em associações de organização fixa. Porém a forma primitiva do mosteiro no Oriente não é um edifício comum abrigando os monges sob um mesmo teto, mas sim um aglomerado de cabanas isoladas no interior de um terreno cercado, dentro do qual os eremitas realizam também os trabalhos manuais estabelecidos.
Pacômio (292-346), um antigo soldado romano, criou o primeiro mosteiro no sentido atual, reunindo os monges sob um mesmo teto numa comunidade de vida dirigida por um abade. Em 323 ele fundou o primeiro mosteiro propriamente dito em Tabennisi, ao norte de Tebas, no Egito, juntando, em casas, de 30 a 40 monges, com um que os presidia. O mesmo Pacômio criou uma regra monástica, a qual, porém, servia mais para regulamentar os aspectos externos da vida monástica do que a direção espiritual. O sistema de mosteiros de Pacômio difundiu-se rapidamente, por exemplo, pela Etiópia, ultrapassando os limites de sua pátria egípcia. Durante seu exílio em Tréveris, em 340-346, Atanásio levou esta regra para o Ocidente, e Mar Avgin, em meados do século IV, levou-a para a Mesopotâmia; Jerônimo, em 404, dirigia por ela seu mosteiro em Belém. Também a regra de Bento de Núrsia, que tão forte influência haveria de exercer sobre a figura do monaquismo ocidental, foi influenciada de muitas maneiras pela regra de Pacômio.
Para dar à vida monástica comunitária na Igreja Bizantina sua configuração final, o mérito maior cabe a Basílio Magno (c. 330 a 379). Seus escritos ascéticos, que originalmente foram destinados aos monges da Capadócia, continham as motivações pedagógicas e teológicas da “vida comum” dos monges, o cenobitismo. Foi ele que criou a regra monástica que em sempre novas variações e modalidades veio a tornar-se a base do monaquismo ortodoxo. Até os dias de hoje este conservou a ligação entre a ascese e a mística, ele é o monaquismo no sentido da igreja antiga.
O monaquismo ocidental teve um desenvolvimento à parte, quando comparado com o monaquismo da igreja antiga. Em primeiro lugar por sua clericalização. Nos mosteiros romano-católicos, os monges, com exceção dos irmãos serviçais, são hoje sacerdotes ordenados, estando desta forma diretamente envolvidos com as tarefas eclesiásticas da Igreja Romana. De início, porém, os monges eram leigos. Pacômio chegou até a expressamente proibir aos monges tornarem-se clérigos, alegando que “é bom não desejar o domínio e a glória”. Só com Basílio Magno foi que se introduziu um voto monástico especial e uma cerimônia litúrgica própria para o ingresso na vida monástica; com isso os monges deixaram de ser simples leigos e passaram a ocupar uma posição intermediária entre o clero e os leigos. Mesmo hoje, porém, os monges da Igreja Ortodoxa, na sua maioria, ainda são monges leigos; apenas uns poucos de cada mosteiro são ordenados sacerdotes (hieromónachoi), podendo administrar os sacramentos. Outra peculiaridade romano-católica do desenvolvimento monástico consiste na divisão funcional das ordens. As diferentes ordens vêm a ser tropas auxiliares da Igreja nos diferentes terrenos de ação, no combate aos hereges e nas missões, no sistema escolar e no cuidado pelos enfermos. O monaquismo romano-católico desenvolveu uma extraordinária variedade de estruturas sociológicas, que vão desde as ordens militares até às ordens mendicantes ou de ordens marcadamente feudais e aristocráticas a ordens de caráter puramente burguês. À medida que no Ocidente foram aumentando as tarefas missionárias, pedagógicas, científico-teológicas e políticas especiais das ordens, sempre mais foi ficando em segundo plano o primitivo caráter do monaquismo antigo, inteiramente voltado para a oração, a meditação e a contemplação, que hoje só é abraçado ainda pelos beneditinos e carmelitas.