- (MGTP)*
- As almas do purgatório são, tanto quanto posso compreender, purificadas não apenas conforme a natureza de seus pecados, mas segundo o grau de glória a que Deus as destina.
Todas as almas do purgatório se encontram, no momento de sua morte, na ordem e disposição divina, mais com maior ou menor perfeição conforme são mais ou menos puras. Pois, se não estivessem na ordem e disposição divina, estariam em estado de revolta e, consequentemente, de danação.
, tão logo a alma sai deste mundo, fica fixada para sempre no mesmo estado em que morre. Essa fixação não diz respeito à pureza, mas ao estado de graça ou pecado, e à capacidade de receber. Se a alma em estado de graça, mas ainda não purificada, fosse fixada no Momento da Morte em sua impureza, jamais poderia ver Deus, pois é necessária uma pureza conforme sua capacidade [].
Ao deixar o corpo, a alma se vê obrigada a seguir seu destino. Não creio que Deus a julgue num juízo particular. (Como ignoro o parecer da Igreja sobre isto, submeto o meu). Nosso Divino Juiz aguardará até o fim do mundo
se mostrar favorável aos justos ou rigoroso com os pecadores; e as Escrituras, que nos asseguram que, no terror em que estarão os réprobos diante de seu Juiz, clamarão: *“Montanhas, caí sobre nós”* (Ap 6,16), e que temerão mais a presença terrível do Juiz do que o próprio inferno, mostram claramente que ainda não compareceram diante dele.
- Quando a alma, ao deixar o corpo, se encontra perfeitamente pura e sem qualquer resquício de “propriedade” [], vai direto ao céu, e seu próprio peso a leva ao lugar que lhe está destinado. Isso ocorre de modo quase natural, pois, sendo Deus nosso centro, a alma tem uma inclinação infinita para se perder nele — e de fato se perde quando está livre de todos os obstáculos que a impedem. Ela voa, então, para o seio de Deus, conforme o grau que lhe foi preparado e a capacidade que Deus nela depositou. Se seu amor estiver muito depurado, de acordo com essa prerrogativa dominante nela, será colocada entre os serafins, ultrapassando com um voo audaz todas as hierarquias inferiores. Se for de uma ordem inferior, ali permanecerá.
Há almas puras que não passam pelo purgatório após a morte e, no entanto, pertencem às ordens mais baixas; outras, ao contrário, passam pelo purgatório, sofrendo tormentos rigorosos, e ainda assim ocupam lugares mais elevados no céu. Isso se explicará adiante. É certo, portanto, que a alma, encontrando-se sem impedimentos, se perde em Deus, seu centro divino e fim último, no momento de sua morte.
Aqueles que, ao morrer, estão na malícia da rebelião de sua vontade, são impelidos por um duplo peso — o furor de Deus e sua iniquidade — a se precipitarem no inferno. Lançam-se com velocidade, como para o lugar que lhes é próprio. E, por mais terríveis que sejam os tormentos do inferno, há ainda misericórdia nisso, pois, se a alma não encontrasse esse lugar que Deus lhe destinou, a dor do estado violento em que se encontra — causado por estar fora da ordem e disposição divina — seria um inferno ainda mais penoso. É uma necessidade em Deus, por sua pureza essencial, rejeitar o pecador, assim como é uma necessidade para o pecador ser rejeitado por seu Deus. Ele é atraído pela necessidade do centro, que tudo atrai a si, e é repelido por Deus com uma força infinita. Essa tensão entre ser atraído e rejeitado com violência infinita causa um tormento indescritível, chamado pena do dano []. Pois não há menor necessidade para essa alma condenada de ser atraída por seu centro do que de ser repelida por ele.
O terceiro tipo de almas são aquelas que deixam esta vida em submissão à vontade de Deus e na ordem de sua graça, mas ainda necessitam de purificação. Elas têm, como as outras, uma inclinação necessária para o lugar que lhes é destinado. São atraídas, como as primeiras, para se perderem em seu fim último, cujo atrativo é infinito, mas o peso de sua impureza as arrasta para o lugar destinado à purificação. Precipitar-se-iam antes em mil infernos — tal é o conhecimento que então lhes é dado de Deus — do que comparecer diante dele carregadas da menor impureza.
Há então, em Deus, uma dupla necessidade que se refere a ele mesmo, não a elas; e uma dupla necessidade nessas almas, que se refere a Deus. A necessidade de Deus para com elas é amá-las, porque estão em sua graça, e seu amor as atrai a si. Pois Deus, como fim último, tem em si a necessidade de atrair, assim como a alma tem a necessidade de ser atraída. É da natureza de Deus atrair todas as coisas a si, como princípio e fim. Jesus Cristo, o Redentor, não diz: *“Quando eu for elevado da terra, atrairei todas as coisas a mim”* (Jo 12,32)? Mas esse mesmo Deus, que como princípio e fim último tem essa qualidade necessariamente atrativa — que constitui tanto a felicidade dos santos quanto a desgraça dos réprobos —, é obrigado, por sua pureza essencial, a repelir toda impureza espiritual. Pois, para receber o homem em si, é preciso que lhe seja semelhante, sendo impossível [] aliar duas coisas opostas. Essa semelhança consiste na participação das qualidades de Deus, e é aí que reside a perfeita pureza. Os homens a colocarão onde quiserem, mas Deus a coloca no que direi a seguir.
- Deus é um ser muito simples, sem qualquer mistura. Somos tanto mais perfeitos quanto mais lhe somos semelhantes. Por isso está escrito: *“Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito”* (Mt 5,48). Esse “como” não pode ser entendido como igualdade, mas como uma semelhança imperfeita na natureza da perfeição. A perfeição de nosso espírito consiste na simplicidade. A simplicidade e a nudez o tornam puro e perfeito. Quanto mais simples e nu, mais puro. Essa simplicidade o torna uno em Deus, pois o faz assemelhar-se a Deus, que é uno e simples. E é impossível (supondo o que dissemos: que é uma necessidade do Ser supremo atrair a si todos os seres que lhe são conformes) que ele não una a si aquele que for verdadeiramente simples e puro, pois, tornando-se semelhante a ele, deve unir-se a ele.
A pureza do espírito consiste, portanto, incontestavelmente, em sua nudez e simplicidade. Ora, é preciso saber que, assim como é impossível que Deus não una a si uma alma pura e simples, também é impossível que essa alma seja purificada a ponto de poder unir-se a ele por ele mesmo. A criatura, auxiliada pela graça, pode, por sua atividade, dispor-se a ser purificada por Deus, mas nunca poderá purificar-se a si mesma ao ponto necessário para a união com Deus. A razão disso está na natureza dessa união.
Vimos que a pureza que nos une a Deus deve participar da natureza divina e nos tornar conformes a ele. Ele é um ser puro e sem mistura: é preciso que nos tornemos puros e sem mistura de atividade []. Sua simplicidade constitui sua pureza; é preciso que nossa simplicidade constitua nossa pureza. Ora, essa simplicidade só pode ser adquirida pelo despojamento. Se Deus pudesse unir-se a um ser diferente dele sem torná-lo conforme, deixaria de ser puro e contrairia, por essa mistura, uma qualidade oposta à sua pureza — e, consequentemente, se destruiria a si mesmo pela contradição. É necessário, portanto, que Deus torne a alma semelhante a si antes de unir-se a ela. Ora, toda atividade
[] da criatura a torna sempre multiplicada, sempre semelhante a si mesma, sempre mergulhada em si — o que impede sua perfeita purificação. Só a operação de Deus pode tornar a alma conforme a ele e, portanto, purificá-la.
- Assim, as almas do purgatório são puramente passivas, e é o próprio Deus quem as purifica. Se tivessem alguma atividade em sua purificação, estariam numa imperfeição atual — da qual são incapazes. É necessário, portanto,
necessidade, que Deus, ao purificá-las por sua justiça — que é como um fogo consumidor —, destrua e purifique o que não foi consumido [] e purificado nesta vida, tornando-as assim conformes a si.
Deus purifica o que há de grosseiro na alma, assim como o sol purifica o ar — único capaz de receber puramente sua luz e de, por assim dizer, misturar-se com ela. Ele atrai a si os vapores grosseiros que tornam o ar espesso e impedem sua penetração total. Mas, como as impurezas permaneceriam as mesmas se ele não as atraísse, e como jamais poderia uni-las à sua luz sem purificá-las, ele as atrai e as purifica ao atraí-las. A própria natureza do sol, ao atraí-las, necessariamente as purifica, pois não é menos essencial ao sol purificar ao atrair do que atrair. Deus faz exatamente o mesmo []. Começa atraindo a alma interiormente. É o que se chamou muito bem de atração. E se o homem fosse fiel, desde o início, a seguir a atração de Deus, chegaria em pouco tempo à união divina. Mas ele combate quase toda a vida. E, como nasceu livre, usa sua liberdade para resistir à atração de Deus. supondo que ele siga essa atração — que o levará sempre a cessar toda ação própria para se deixar conduzir, purificar e elevar até Deus —, a ordem que Deus segue, pela necessidade de seu próprio ser, é esta.
Chamamos essa necessidade de Economia de sua Sabedoria — pois damos nomes às operações de Deus para nos fazer entender, embora seja certo que tudo é igualmente Deus e necessidade de Deus nele e para ele. O que produz a variedade das operações é a variedade dos sujeitos aos quais ela se aplica, pois tudo é necessidade de Deus em Deus.