Paul Nothomb — O SEGUNDO RELATO
Gen 3,22 E Deus pensou: Eis o Homem, (que) é como Uno, fora de si em busca de omnisciência e agora, de medo que ele estique a mão e tome também da Árvore da Vida e coma e seja morto-vivo (HY) para sempre.
Este versículo em nossas bíblias faz de Deus um tirano furioso e mesquinho, invejoso do Homem, pronto a destituí-lo de seus privilégios, «tornado como um de nós» porque teria conquistado «o conhecimento do bem e do mal» reservado aos seres divinos, e que confiaria ao texto suas reflexões rancorosas de potentado vexado, cuja vingança seria terrível. Mas esta interpretação tradicional é uma simples abominação. Sintaticamente não é defensável. A tradução «tornou-se» tomada ao grego é falsa. O texto porta o Verbo HYH «ser» no completo», que no discurso direto tem valor de presente, e significa claramente aqui «é» de maneira essencial. É a natureza do Homem de que é questão, e que Deus lembra solenemente uma última vez antes de sua saída do jardim, em constatando que ela lhe permanece adquirida, mesmo se prefere o abandonar.
Mas esta constatação conduz a outra, e Deus já a fez quando o Homem pretendeu justificar seu medo por sua nudez. O Homem decadente, e que se obstina em sua decadência, não é mais ele mesmo. Ou melhor, ele o é ao mesmo tempo não sendo mais. Ele está, como se diz «fora de si». E é isto que Deus pensa em sua reflexão que o relato lhe presta. Há, como frequentemente em hebreu bíblico, um pronome relativo subentendido entre HN H'DM e K'HD, entre «Eis o Homem» e «Como Uno». Só Deus é verdadeiramente Uno, o Homem só é analogicamente, e «como Uno» quer dizer aqui «semelhante a Deus» e «à imagem de Deus». Logo leio na sequência «Eis o Homem, que é como Uno, cuja natureza é de ser à imagem de Deus, ei-lo MMNW, quer dizer fora dele». Traduzi MMNW assim pelo nome da árvore-código, traduzi-lo assim por Homem. Deus constata que o Homem saiu dele mesmo e isso porque partiu em busca da Omnisciência, da Razão assim dizendo soberana, mas que não é mais que mentira, cortada do símbolo da Realidade edênica, que a Mulher amputou do que ela tomou por um «fruto». Mas de que, no texto, a serpente então, e Homem na reflexão de Deus aqui, amputam o «nome de código». Eles o amputam da palavra '(TS) «árvore», e pretendem dela não guardar senão «o Conhecimento total» ou «a Omnisciência». É isso a «Queda». A redução da Realidade ao Conhecimento assim dizendo total que propõe a lógica, mas que justamente não pode mais ser total quando ele não está mais vivente.
E em seguida desta dupla constatação contraditória, Deus tira a consequência que deve barrar ao Homem «fora de si» o acesso da Árvore da Vida. De impedir este «mortal» voluntário, que permanece por natureza imortal, de imortalizar, se se pode dizer, sua mortalidade, o que seria propriamente o que o sadismo dos teólogos chamará «o inferno». Deus faz aí, para salvar o Homem do pior, um golpe, o único nestes relatos, contra a liberdade do Homem. Não somente ele o deixa sair do jardim mas o empurra para fora, o expulsa, para que não possa «esticar a mão» (como um cego) para a árvore invisível, dita Árvore da Vida, que faz par à árvore-código também invisível, simbolizando a Realidade edênica, e constitutiva como ela do jardim.