Paul Nothomb — RELATOS DA CRIAÇÃO
Porque ter esperado o quarto dia para falar dos astros e das estrelas em um relato redigido na época das pirâmides e dos zigurates, da astronomia babilônica e egípcia? A preocupação de rebaixar o sol e a luz, venerados como deuses na região, ao nível funcional de luminárias não explica sua aparição no céu depois daquela da vegetação sobre a terra, se se trata de uma exposição tão pouco que seja cronológica e «objetiva» como se a apresenta desde de sempre e que a princípio, no que concerne a evolução dos seres vivos, prefigura de maneira notável o esquema darwiniano, que vai dos peixes ao Homem. Esta anomalia flagrante na ordem dita «natural» dos fenômenos deveria convencer os mais céticos de justeza de minha interpretação. Estes «Seis dias» não são aqueles da Criação de um mundo objetivo, exterior ao homem, a partir do nada, tal qual imaginavam os predecessores longínquos de nossos «cientistas», mas estes do desenvolvimento da consciência que o Homem toma de si mesmo e da Realidade da qual é investido por uma energia criadora que o texto chama «Deus» — e compara ao vento — sem dela nos dizer no instante muita coisa. Este «Deus» começa a «pensar» na cabeça do Homem, em seu cérebro do qual é forçosamente o suposto autor (senão quem?), a luz da inteligência e lhe revela a categoria do «tempo». Depois aquela do «espaço», da extensão, qual quer que seja o número de suas dimensões. Nesta extensão o Homem descobre um «lugar» «feito para ele», um jardim luxuriante e inesgotável para viver e desfrutar de seus frutos, de sua Riqueza, de sua magnificência sempre renovada. Mas eis que as árvores deste belo jardim, as plantas deste jardim verdejante, cada uma por sua vez morrem, as flores murcham, os ramos caem, os talos e os troncos quebram para dar lugar a seus sucessores que semearam. O ciclo vegetal aporta o renascimento contínuo mas ao preço da decomposição orgânica periódica. Seu tempo é perpétuo para a «espécie» mas medido para seus componentes, felizmente inconscientes de seu fim inevitável. E o Homem, consciente dele, não tarda a se dar conta e a se interrogar sobre seu futuro. O tempo, em sua escala, lhe é também contado? Então Deus Mostra o céu povoado de astros certamente inconscientes mas que declara constituir signos do tempo do Homem. Um tempo cíclico e que se renova como aquele da vegetação, mas sem matar nem usar. Um tempo onde os astros aparecem e desaparecem mas revêm idênticos, pelo menos aparentemente. Um tempo que dá a imagem da imortalidade, que a sua.
Annick de Souzenelle — Alliance de feu : Tome 1, Une lecture chrétienne du texte hébreu de la Genèse
O eixo dos céus sofre uma ruptura: de um lado o seco-completo-luz-dia, de outro lado o úmido-incompleto-trevas-noite.
O Homem que faz o caminho da completude deve descer na profundeza das águas-incompletas para subir em uma terra-completa. Em seguida redescerá mais profundo ainda para subir mais alto; e assim por diante até que alcance seu Nome (YHWH) na maior profundidade.