Paul Nothomb — RELATOS DA CRIAÇÃO
VIDE: Primeiro Dia
Gen 1,5: E «Deus» chamou a luz dia, e chamou a obscuridade noite. E houve uma duração completa («uma noite e uma manhã») Dia Um.
Paul Nothomb: Bíblia das Origens
Literalmente “E Deus viu a luz que boa”. Em cinco outras ocasiões na sequência do relato, a mesma fórmula sem a menção da luz retornará para aprovar a obra completada. “E Deus viu que isto era bom” traduzem nossas bíblias. O hebreu é mais sóbrio “E Deus viu que bom” a cópula estando subentendida e sem o valor temporal que a “concordância dos tempos” lhe dá obrigatoriamente em português. Mas este “satisfecit” Divino não intervém senão depois de certas verificações e operações complementares. Aqui é imediato. Deus declara de pronto boa (e bela, a mesma palavra em hebreu) a luz. Mas em a separando da “obscuridade” — citada acima como um elemento do «tohu-bohu» — dá sentido e existência a esta obscuridade até aí sem contorno, a faz entrar de certa maneira no campo da luz em a iluminando, e mostra assim que esta designa, ao invés da inteligência que a distingue, a consciência que integra. A consciência global que caracteriza a Realidade perfeita que Deus Cria — aparentemente por etapas — no cérebro do Homem da origem.
Este «dia Um» (YM 'HD) deve-se associar ao «coração Um» (LB 'HD) do qual dala Ezequiel (Ez 11,19) e que na Bíblia de Jerusalém se torna «um só coração», em Segond «um mesmo coração» depois de ter sido «um outro coração» na Septuaginta e «um coração novo» na versão siríaca! Todas estas traduções divergentes refletem uma incompreensão da noção de Unidade na pluralidade infinita da plenitude, que exprime 'HD.
Se a luz que Deus chama dia é mental, a obscuridade delimitada pela luz que chama noite o é também, e este versículo define, bem antes de Kant, o tempo como uma categoria do espírito. Mas atenção não fala de não importa que tempo! No calendário judeu a jornada começa à noite mas não termina na manhã. A expressão «houve uma noite, houve uma manhã» que nossas bíblias traduzem literalmente ao final de cada um dos seis dias, não designa aí nem dias, nem no sentido de jornada, nem no sentido da parte clara da jornada. O intervalo entre noite e manhã, é a noite, não é em nenhum caso o dia. Menos ainda “o dia um”. Então o que significa, e em particular aqui onde surge pela primeira vez, a estranha antífona «houve uma noite, houve uma manhã» seguida da indicação do «dia» que ela é considerada representar ao longo deste relato? Nossas bíblias não o explicam a seus leitores não-hebraizantes, lhes deixando a impressão de um texto impreciso, incorreto, aproximativo, pouco fiável. Ora temos aí um novo exemplo, depois de «o céu e a terra», desta «reunião formal de noções contrárias» (como em francês «o branco e o negro») que serve ao hebreu de procedimento sintático para sugerir uma totalidade não ideal mas concreto, superando de longe a soma de seus componentes, uma espécie de perfeição que nos tornou inacessível mas que supomos próprio à Realidade de nossa origem. Assim como «o céu e a terra», acima, não representam partes adicionadas da extensão, a noite e a manhã, aqui, não representam simples momentos no tempo, cujo primeiro seria o ponto de partida e o segundo o ponto de chegada. Na expressão «houve uma noite, houve uma manhã» a ideia de duração não está certamente ausente, mas trata-se de uma duração muito diferente da nossa, que sempre irreversível. Uma duração, não «imóvel» ou «eterna» mas completa, sem erosão, sem usura de um termo a outro. E formando um «dia um» (e não um «primeiro dia» como traduzem nossas bíblias) um «dia um» indefinidamente novo e renovável, depois um terceiro ao segundo, mas como um segundo «dia um», um terceiro «dia um», etc. Em resumo um tempo estranho à História, e mesmo ao que a História denomina a Natureza. Seu caráter será ainda precisada mais adiante. Paciência. No texto onde ninguém dele se dá conta! — Emmanuel: Pour commenter la Genèse
Bereshith é o início do tempo. O primeiro dia é a definição do dia: noite e manhã. Eis porque a Escritura não diz: primeiro dia (como o diz para os seguintes: segundo, terceiro, até o sexto), mas ela diz: yom ehad, um dia (Gen 1,5). Por aí compreende-se que não há oposição entre criação a partir do nada e matéria preexistente, pois o nada é não somente ausência de espaço e de matéria, mas também ausência de tempo e de duração. Antes do tempo com mais forte razão não podia haver matéria, cujo caráter essencial é de se transformar sem cessar; e como é possível mudar sem durar?