====== Consolatio III ====== Boécio — CONSOLAÇÃO DA FILOSOFIA LIVRO III Filosofia Antiga R.A.Ulmann: Plotino O hino da nona poesia do terceiro livro da Consolatio philosophiae desenvolve um movimento dialético de processão (proodos), a partir do Uno ou Bem, e retorno (epistrophe) a ele. O esquema geral da via de descenso de todas as coisas, a partir do Uno, e da via de retorno a ele teve grande difusão no medievo (v. Queda e Ascensão). A via de descenso e de retorno foi utilizada pelos filósofos árabes, desde o século VI, e por alguns judeus, a partir do século VII((Os sufis (sufistas), filósofos árabes, quase todos expõem o esquema do descenso e ascensão. Os As'aries, teólogos ortodoxos, combateram a tendência dos sufis. A doutrina do descenso (proodos) dos filósofos árabes penetrou na Espanha, já no século V; ao tratarem da epistrophe, alguns sufistas místicos dizem que a união com Deus consiste na absorção da alma em Deus. (Sufismo é um sistema ascético-místico que afirma ser o espírito humano uma "emanação" do divino no qual deseja reintegrar-se). (Cf. Plotino. Porfírio. San Agustín (Salamanca, 1989), p. 62-74).)). Tem Deus como centro. O Uno permanece imóvel (stabilis manens); é princípio (principium) e terminus (fim). O mundo está presente, antecipadamente e eminenter(("Secondo la concezione neoplatonica dell'Unità e della sorgente che si riversa, l'Essere di Dio attraverso o nel suo atto creativo non toglie se stesso, esso permane immutabile in sè, assolutamente se stesso" (BEIERWALTES, Werner, Pensare 1'Uno (Milano. 1991), p. 281-282).)), no intelecto divino (mundum mente gerens). Sem inveja (livore carens), produz as coisas, devido à sua superabundância. Nenhuma causa externa o impeliu a criar (quem non externae pepulerunt causae); tudo produz por amor donativo e governa com a razão (perpetua ratione gubernat). O mundo representa uma imagem do arquétipo (similique in imagine formans), tudo é atraído pelo Uno (epistrophe) (ad te reduci facis), completando o círculo: processão e retorno. Assim, o Uno é Alfa e Ômega(("II modello piu generale di questo movimento dialettico è l'operare dell'Uno o Bene che nell'agire permane in sè ed assoluto: esso è il fondamento e l'inizio che dona, che rende partecipe delia sua Bontà e Unità e cosi costituisce l'Essere, ma insieme è anche il fine dei movimento di ciò che si sviluppa da lui" (id., ibid.. p. 281).)), caracterizado como pulcherrimus ou princípio da Beleza. No hino em referência, Boécio emprega três anáforas — Tu, tu, tu acentuando o caráter de exclusividade do Uno no comando do universo. Conclui com uma invocação a Deus — pater -((Entre os gregos, só o estoico Cleantes, em seu famoso hino, denominou Zeus de "pai".)), o qual é descanso tranquilo para as almas pias, que, num esforço pessoal, se auto-superaram pela contemplação precedida da abstração radical de tudo que é estranho ao Uno. É mister espancar as nuvens da opinião (nubes terrenas) e livrar-se dos pesos de chumbo que prendem a alma à terra. Desimpedida de tudo, a alma fixa os olhos no Uno-Bem e liberta-se da caverna platônica, sem olhar para trás((Cf. En. VI, 8, 11,4-5.)). Acha-se, então, no gozo da plena felicidade(("L'esperienza della quiete e la serenità non equivale però ad un addormentamento di ogni questione e pensiero, bensí a loro compimento piu intensivo, in analogia con 1'approdo, espresso per via di metafora, nel 'porto místico' " (BEIERWALTES, Werner, Pensare..., p. 287).)). Quem, por essas achegas, não vê retratado, no hino de Boécio, o pensamento de Plotino? NOTAS