===== PUECH (HCPG1:PREFÁCIO) – O GNÓSTICO, DESCENSÃO E ASCENSÃO ===== Uma preocupação semelhante com a salvação pessoal, as provações que a originam, os esforços que ela provoca, são refletidos e ecoados na especulação e na literatura gnósticas. Já é significativo que o autor muitas vezes se expresse nesses textos na primeira pessoa do singular ou do plural, às vezes em uma espécie de confissão ou efusões líricas. Um escrito como o [[gnosticismo:bnh:evangelho-da-verdade:start|Evangelho da Verdade]], encontrado perto de [[gnosticismo:bnh:start|Nag Hammadi]], e, mais ainda, obras poéticas como os [[oracao:psalterium:salmos:start|Salmos]] dos [[gnosticismo:escolas-gnosticas:naassenos:start|Naassenos]], bem como uma infinidade de peças dos Saltérios Maniqueístas de Fayum ou Turfan, o "Hino" ou o "Canto da Pérola" dos [[gnosticismo:escritos-gnosticos:atos-de-tome:start|Atos de Tomé]], constituem, desse ponto de vista, outros tantos testemunhos diretos, vívidos e comoventes. Mais frequentemente, porém, a experiência subjetiva e as reflexões individuais são transpostas para um plano impessoal, formuladas à maneira de verdades teóricas, sob a forma e no âmbito de uma doutrina ou mito que as sistematiza, explica ou justifica. É assim que o gnóstico acaba dando a seus sentimentos e a seu próprio empreendimento individual um valor coletivo, universal e metafísico. "O que fui eu? O que sou eu? O que serei?" se transforma em: "O que fomos nós? O que somos nós? O que seremos?"A interrogação diz respeito à condição humana em geral, situa-a de novo e resolve seu enigma na perspectiva de um devir cósmico e transcósmico cujos três estágios, "três Tempos" ou "três Momentos", servirão concretamente, no maniqueísmo, para articular a visão grandiosa de um universo atravessado, desde sua origem até seu fim, ao longo de sua evolução, por sua "história". O desconforto experimentado no contato com as realidades sensíveis levará a considerar a existência atual como ruim, a assimilá-la a uma decadência e, a partir daí, a considerá-la como a consequência de uma queda. Uma queda que não é apenas aquela na qual fomos precipitados por nosso nascimento carnal, mas que remonta muito antes, muito além, ao alvorecer da história humana, e até mesmo, de acordo com os maniqueístas, ao início da formação do mundo: a queda do primeiro homem, de Adão, ou do "Homem Primordial", do arquétipo do Anthropos. Essa é a origem do considerável interesse que os [[gnosticismo:escritos-gnosticos:start|Escritos Gnósticos]] atribuem ao relato dos primeiros capítulos do Gênesis, da particular interpretação ou versão que oferecem deles, que visa estabelecer a radical inocência, a irresponsabilidade de Adão, do homem, ou pelo menos de todo "homem de luz". A existência humana, assim como o mal que lhe é inerente, terá então que ser explicada por uma degradação, pela passagem de um estado de "plenitude" a um estado de diminuição e dispersão que é "deficiência", "falta", "carência", "vazio": pleroma e histeroma adquirirão assim um significado ontológico e cosmológico e se tornarão — em particular no valentinismo — palavras-chave do vocabulário gnóstico. Da mesma forma, a condenação do corpo, do mundo e de tudo o que tem a ver com ele, trará consigo a condenação daquele que é seu criador e, consequentemente, o responsável pelo mal contido nele. O [[biblia:figuras:divindade:deus:start|Deus]] bíblico ou o Demiurgo platônico será rejeitado, "amaldiçoado" em alguns casos; em outros, humilhado, rebaixado à categoria de seres, se não "cegos", perversos, cruéis, "ciumentos" e coléricos, pelo menos medíocres, ignorantes ou semi-ignorantes, fracos ou débeis. Em todo caso, a eles se oporá, ou imaginará estar muito acima deles, o "Deus desconhecido", um Deus absolutamente transcendente, sem conexão com o mundo e o tempo, inacessível ao conhecimento comum e que se manifesta somente por meio de revelação interior. O Deus que é verdadeiramente "o [[estudos:ernst-benz:pai:start|Pai]]", que é pura Bondade e cuja função essencial não é criar e [[evangelho-de-jesus:sermao-da-montanha:julgar:start|JULGAR]], mas salvar. O gnóstico encontra nele a garantia de uma salvação que busca fora do mundo, ao mesmo tempo em que se distancia completamente dele. Seja radical ou relativa, a dualidade que o gnóstico estabelece entre os "dois [[biblia:figuras:divindade:deuses:start|deuses]]" e, de modo mais geral, entre o Espírito e a Matéria, o Bem e o Mal, é o resultado de seu desejo de romper com tudo o que o rodeia e o impede, e de encontrar seu autêntico si em sua totalidade. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}