===== JEAN-LOUIS CHRÉTIEN – CORRELAÇÃO BÍBLICA ===== - JLChretien2003* [...] uma observação metodológica se impõe sobre o que foi chamado de correlação bíblica. O princípio é esclarecer e explicar a [[biblia:start|Bíblia]] pela própria Bíblia, considerando-a como um livro único cujo autor é [[biblia:figuras:divindade:deus:start|Deus]]. Trata-se, portanto, de buscar esclarecimento para uma frase obscura ou ambígua em outras passagens que não o são. Dois ou mais trechos são assim correlacionados. Essas correlações, como se viu, são assimétricas, pois um dos termos é aquele de onde se parte, o interpretado, e os outros, os interpretantes (embora possa acontecer que, em outros contextos, essa relação se inverta). Essas correlações podem ser fortes ou fracas em um duplo sentido. Na compreensão, uma correlação é tanto mais forte quanto mais próximos forem o conteúdo e o objeto das afirmações assim relacionadas, e às vezes ela se impõe como evidente. Quando [[ate-agostinho:origenes:start|Orígenes]] aproxima Lucas 12,49 do agraphon (ou seja, uma palavra atribuída a Jesus por certas tradições, mas que não pertence à Escritura): “Quem está perto de mim está perto do fogo”, ou da frase do profeta Jeremias comparando a palavra de Deus a um fogo (Jr 23,29), a correlação é forte. Quando ele a relaciona com os três modos possíveis de cozinhar o sacrifício de reparação segundo o Levítico, a correlação é fraca, mesmo que dê origem a uma interpretação profunda e bela que será evocada mais adiante. Por extensão, uma correlação é forte quando se repete e é retomada com insistência por um exegeta após outro, tornando-se uma constante da tradição interpretativa (ou de um ramo dela); é fraca quando é rara ou totalmente singular, e só foi feita por poucos autores, ou mesmo por um único. Esses dois sentidos de força e fraqueza das correlações não se sobrepõem em direito (um intérprete genial poderia fazer correlações muito justas nas quais ninguém havia pensado assim), mas é altamente provável, desde que exista uma [[estudos:iconografia:arte:start|Arte]] de ler (e somente nessa condição), que elas se sobreponham frequentemente na prática. Algumas correlações fracas (nos dois sentidos) são feitas visivelmente apenas para atender às necessidades da causa, e de uma forma totalmente circunstancial, ou mesmo ao bel-prazer da fantasia. Mas nunca se deve excluir a possibilidade, que é da liberdade do espírito e do poder de certos leitores, de que uma correlação fraca em extensão, ou mesmo inédita, produza uma inteligência nova e luminosa de um texto e se revele, portanto, forte em compreensão, podendo até mesmo fundar uma nova tradição de leitura. Daí resulta que uma tipologia das interpretações coincide, pelo menos em parte, com uma tipologia das correlações, e que a escolha de certas passagens como interpretantes para o que se pretende elucidar já nos encaminha para uma interpretação determinada, mesmo que esta comporte diversas possibilidades. Por fim, é também possível distinguir correlações materiais e correlações formais. Assim, podemos nos perguntar o que é esse fogo que Jesus veio lançar sobre a terra e escolher como interpretantes outras frases bíblicas sobre o fogo (correlação material) ou, ao contrário, perguntar-nos o que liga as frases em que Jesus diz que veio para cumprir tal ou tal missão e escolher como interpretantes outras frases com a mesma forma (correlação formal). Muitos autores comparam Lucas 12,49 com [[evangelho-de-jesus:evangelho-personagens:discipulos-de-jesus:mateus:start|Mateus]] 10,34: “Não vim trazer a paz, mas a espada”, de tal forma que, citando de memória, acabam por fazer dessas duas palavras uma única afirmação composta. É o caso, entre outros, de Pascal, cujo tom violento é muito diferente do tom pacífico de Orígenes: “A guerra mais cruel que Deus poderia trazer aos homens nesta vida é deixá-los sem a guerra que Ele veio trazer. ‘Eu vim trazer a guerra’, disse Ele, ‘e como instrumento dessa guerra vim trazer o ferro e o fogo’”. Antes dele, o mundo vivia nessa falsa paz.”[] Veremos outros exemplos. Nada impede, evidentemente, que se utilizem simultaneamente esses dois tipos de correlações. Orígenes, por sua vez, interpretando Lucas 12,49, permanece na maioria das vezes, como a exegese antiga, nas correlações materiais. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}