===== EPICURISMO, VOLUPTUOSO E ATEU (HCOP) ===== [[ate-agostinho:origenes:start|Orígenes]] situa os epicuristas no ponto mais baixo da escala da filosofia, da qual são a vergonha: mas na realidade eles não são mais filósofos do que os gnósticos são cristãos. Não se vê o que Orígenes pôde lhes tomar emprestado em matéria de doutrina ou de vocabulário. São eles sobretudo os ateus, cuja leitura é proibida aos alunos do Didascaleu. As duas acusações essenciais se referem à sua moral do prazer e à sua negação da Providência. Existe entre essas duas doutrinas uma relação de premissa a consequência: a Providência é inútil, quando não se vive segundo as leis que ela traz, mas se segue o prazer. A moral do prazer é figurada pela “lepra da cabeça”; pelo povo midianita, cujo nome exprime o caráter dissoluto dessa filosofia; pela boca de Sísera, que Jael, figura da Igreja, perfura com uma estaca: > *Pois essa boca, que tinha propósitos carnais, e essa doutrina, que colocava acima de tudo a glória da carne — ela persuadia os sábios do século a viver nos deleites e na volúpia e enganava o gênero humano pela adulação da luxúria — essa boca, digo, o madeiro da Cruz a cavou e a perfurou, pois, ao contrário do caminho do prazer que a filosofia nos pregava largo e espaçoso, o [[biblia:figuras:nt-personagens:cristo:start|Cristo]] nos mostrou, estreito e apertado, o caminho da salvação.* Os partidários dessa moral são iluminados pelo mau sol, o demônio. Na parábola dos [[evangelho-de-jesus:parabolas-evangelicas:convidados:start|Convidados]] às [[evangelho-de-jesus:milagres-de-jesus:bodas:start|Bodas]] eles são figurados por aquele que se desculpa dizendo: Tomei mulher. É de fato “aquele que crê ter encontrado uma sabedoria e participa dela para evitar a verdadeira, ou aquele que se une à carne, amigo do prazer mais do que de [[biblia:figuras:divindade:deus:start|Deus]]”. Não há nisso uma verdadeira loucura? Tudo isso não é mais que bobagens e tolices. Em consequência, o sofrimento deve ser para eles o maior dos males. Assim, Celso o epicurista — ou pelo menos Orígenes o acredita assim — é bem incapaz de compreender como o Cristo pode ser Deus e sofrer na cruz. Como ele poderia ver virtudes na coragem ([[philokalia:philokalia-termos:andreia:start|andreia]]), na paciência (karteria), na magnanimidade (megalopsychia)? A coragem deles consiste em suportar um infortúnio para não atrair para si maiores, o que não é muito heroico. Eles se abstêm do adultério por razões que não têm nada a ver com a moral: Muitos obstáculos se opõem ao prazer daquele que quer se abandonar uma vez à volúpia de um adultério: é preciso que ele esteja pronto a sofrer a prisão, a fuga, a morte, e muitas vezes antes disso numerosos perigos, quando ele espreita as saídas do marido ou daqueles que zelam por seus interesses. Se por hipótese ele pudesse escapar do marido, dos servos e de todos aqueles que condenam o adultério, certamente o epicurista cometeria um adultério por seu prazer. A moral do prazer também é censurada nos cínicos. Os democritianos e, em um grau menor, os aristotélicos, são frequentemente associados aos epicuristas em sua negação da Providência. Ela é radical: como poderia ser de outra forma, já que os [[biblia:figuras:divindade:deuses:start|deuses]] de Epicuro são “compostos de átomos cuja substância pode se dissolver, ocupados em sacudir os átomos destruidores”. Como os discípulos de Aristóteles e de Demócrito, eles fingem adorar os deuses, para se adaptar às superstições da multidão, mas são na verdade ateus, causa de sua incredulidade em relação à Providência. Para eles > *... a diversidade dos seres que crescem na terra não é obra de uma Providência, mas as propriedades que os distinguem são o produto de encontros fortuitos de átomos; o acaso criou tantas espécies de plantas, de árvores e de ervas tão vizinhas umas das outras; nenhuma razão operária ([[philokalia:philokalia-termos:logos:start|logos]] technikos) presidiu a isso e não é de uma inteligência que elas tiram sua origem.* Tudo é “composto de átomos e de vazio”, afirmação que Orígenes chama de loucura. Além disso, por que a Providência, se ela existisse, se ocuparia mais dos homens do que das árvores, das plantas e dos espinhos? É o que Celso pretende e aí visivelmente ele fala como epicurista. Acreditar que Deus se ocupa especialmente dos homens, como fazem [[evangelho-de-jesus:evangelho-personagens:judeus:start|Judeus]] e cristãos, denota segundo ele um orgulho ridículo. Ele compara esses crentes a “uma tropa de morcegos ou a formigas que saem de seu buraco, a rãs reunidas em conselho à beira de seu pântano, ou a vermes que fazem sua assembleia em um canto de lamaçal”, discutindo gravemente sobre as atenções que Deus tem para eles. Além disso, os animais têm muitas superioridades sobre o homem: se é para acreditar na mántica, os pássaros têm um conhecimento da [[biblia:figuras:divindade:start|Divindade]] que supera o dos maiores sábios. Orígenes pede a Celso suas provas. É preciso fazer nessas alegações de Celso um lugar para um certo humor: se ele é realmente discípulo de Epicuro, ele não pode acreditar na mántica. Mas o fundo da objeção é sério: os epicuristas não aceitam os privilégios espirituais do homem. Celso, “que não esconde sobre esse ponto a seita da qual ele faz parte, mas se confessa epicurista”, trata a fé na imortalidade de “vãs esperanças”. Tentando explicar a propósito de Cristo, como se pôde considerar um morto como vivo, Celso “acrescenta como um bom epicurista que pode acontecer a alguém que sonha, encontrando-se em uma certa disposição de espírito, de se alucinar a si mesmo, em consequência de uma opinião errônea que seus próprios desejos causaram, e de anunciar um fato desse gênero: isso, diz ele, ocorreu milhares de vezes”. Os epicuristas não acreditam que haja “no homem um princípio superior ao terrestre que o torna parente de Deus”; se Celso declara o contrário, é que ele disfarça então seu pensamento, “para poder melhor acusar o cristianismo”. Como um epicurista aceitaria as palavras do Evangelho? Celso, insensível aos milagres de conversão realizados pelo cristianismo, — o argumento maior da apologética origeniana, — não para de reclamar prodígios visíveis. Para provar sua divindade, Jesus deveria ter desaparecido subitamente de sua Cruz. > *Ele fala como os adversários da Providência que imaginam um universo diferente daquele que existe e dizem que o mundo seria muito melhor se tivesse sido feito segundo seus planos. Quando o que eles dizem é realizável, o mundo construído segundo eles é reconhecido como bem pior que o atual. Se não é pior, então é irrealizável. De todas as formas eles são ridículos.* A incredulidade é o reflexo habitual do epicurista, como do democritiano e do peripatético. Ele não acredita na realidade da magia e nisso Orígenes não compartilha seu ceticismo: > *O que se chama de magia não é, como pensam Epicuro e Aristóteles, de todo sem fundamento, mas de acordo com aqueles que estão a par da matéria, é uma ciência que se mantém, e ela comporta leis (logois) conhecidas por pouquíssimas pessoas.* Orígenes pensa que existe no nome uma relação real, de natureza quase mágica, entre significante e significado: os epicuristas dizem ao contrário que os primeiros homens proferiram diante dos objetos gritos que estão na origem da linguagem; eles não acreditam em uma relação real. Eles não aceitam a alegoria, eles negam a realidade dos sonhos, como todos aqueles que recusam a Providência. Orígenes não censura seu ceticismo — que eles compartilham sempre com democritianos e peripatéticos, — em relação aos oráculos e milagres pagãos: ele parece, no entanto, aceitar ele mesmo a realidade deles imputando-os a demônios. Ele presta, no entanto, aos epicuristas essa homenagem inesperada que “talvez eles acreditariam em nossos milagres por causa de sua evidência, se eles tivessem assistido aos de [[biblia:tipologia:moises:start|Moisés]], dos profetas ou de Jesus ele mesmo”. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}