===== PLARD (HPAS) – ANGELUS SILESIUS, ATEMPORALIDADE DA OBRA ===== HPAS Talvez seja paradoxal buscar o segredo de uma época, de uma alma humana, na obra mais resolutamente "inatual" que já existiu. O *Peregrino Querubínico* ignora o mundo. Aquele que, ainda hoje, o abre e o lê, não sabe o porquê desse silêncio, se é indiferença, falta de coragem ou recusa altiva; mas não se pode escapar a essa brusca impressão de distanciamento do mundo; certamente, é o vento das alturas, o vento do Espírito que passa por essas páginas, frio e puro. [[contra-reforma:silesius:start|Angelus Silesius]] não conhece mais as misérias de seu tempo do que as do nosso; ele não tem o esforço doloroso de Jakob Böhme, que, homem comum sujeito às tristezas de uma existência banalmente cotidiana, quer integrá-las ao seu pensamento e encontrar que relação têm com [[biblia:figuras:divindade:deus:start|Deus]] essa guerra, essa fome em Görlitz, e as lutas religiosas, e o orgulho dos pastores luteranos; de tudo isso, o *Peregrino Querubínico*, nascido em 1651, alguns anos após a Guerra dos Trinta Anos, em um país devastado, não diz uma palavra. Como se espantar, quando seu autor se recusa até mesmo a ser Johann Scheffler? Ele se esquiva do leitor, ele lhe recusa tudo o que em si mesmo não tem valor de eternidade. Ele quer ser "o peregrino querubínico", o homem que caminha em direção a Deus pelo conhecimento angélico e mais que angélico. Se ele é silesiano — "Angelus Silesius" —, pode-se dizer, sem excesso de sutileza, que ele se sente ligado à Silésia eterna; não, especialmente, ao mosaico de principados disputados entre as influências locais e o poder imperial que ela era no século XVII, mas à *terra mystica* por excelência da Alemanha, o país onde a aventura do herói de Gerhart Hauptmann, "o idiota em [[biblia:figuras:nt-personagens:cristo:start|Cristo]]" Emmanuel Quint, é verossímil — e verdadeira — pois no final do século XVII seu compatriota Quirinus Kuhlmann se tomou pelo Cristo retornado à terra e pereceu na fogueira, em Moscou, por essa loucura. Johann Scheffler é "Silesius" como Jakob Böhme ou Hauptmann, além do tempo. No entanto, seria injusto para com o século XVII, injusto para com Johann Scheffler, não reconhecer que os versos do *Peregrino Querubínico* testemunham sua realidade essencial: eles expressam seu ser profundo, excluem qualquer elemento contingente e temporal. Havia no século XVII alemão uma busca de Deus dispersa, que, na Silésia mais do que em qualquer outro lugar, irrompia subitamente em movimentos populares: visões de êxtases, sonhos de um reino de Deus na terra, [[gnosticismo:escolas-gnosticas:seitas:start|Seitas]] obscuras com doutrinas estranhas, perseguidas pelos poderes que temiam ver se reproduzir o movimento anabatista do século anterior, com suas reivindicações sociais e suas consequências sangrentas. Schwenckfeldians, calvinistas dissidentes, eles se apoiam em toda uma tradição popular alemã, a de uma religião interior, de uma palavra de vida oposta à letra seca e às obras, moeda com que o homem paga sua salvação: eles não querem mais viver como pecadores, perdoados mas sempre pecadores, como queria o luteranismo ortodoxo; eles reivindicam já nesta terra o que São Paulo chama "a gloriosa liberdade dos filhos de Deus". Tais aspirações sustentaram a Reforma em seus primórdios; no século XVII, elas se voltam contra um luteranismo exausto, uma casta de pastores nutridos de cultura [[estudos:filosofia-medieval:escolastica:start|escolástica]], de teologia aristotélica, orgulhosos de seu saber, altivos com os fiéis e servis diante das potências, os mercadores do Templo, mercadores, não de pombos, mas de almas, de que fala Abraham von Frankenberg. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}