===== ABBA PRECES JESUS ===== [[biblia:figuras:abba:start|Abba]] — Nas [[oracao:oracao:oracoes:start|orações]] de Jesus Excertos de Joachim Jeremias, "A Mensagem Central do Novo Testamento" Ora, é exatamente o que fez Jesus. Os discípulos devem ter achado muito extraordinário Jesus se dirigir a [[biblia:figuras:divindade:deus:start|Deus]] dizendo "meu [[estudos:ernst-benz:pai:start|Pai]]". Não só os quatro [[evangelho-de-jesus:evangelhos:start|Evangelhos]] atestam que Jesus se dirigia a Deus nestes termos, mas todos eles relatam que o fazia em todas as suas orações21 vezes (16 vezes se os paralelos forem contados uma só vez).. Há uma única [[philokalia:philokalia-suplementos:kyrie-eleison:oracao-de-jesus:start|oração de Jesus]] onde falta o "meu Pai", e trata-se do grito na cruz: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?" (Mc 15,34, par. Mt 27,46), citando o Sl 22,1. Ainda não dissemos tudo: o que é mais notável é o fato de Jesus, em suas orações, se dirigir a Deus como ao seu Pai, servindo-se da palavra aramaica abbáO acento está na última sílaba.. Marcos o afirma categoricamente no seu relato da [[oracao:start|oração]] no Getsêmani: "Abbá (Pai)! tudo te é possível: afasta de mim este cálice; todavia, não se faça o que eu quero, mas o que tu queres" (Mc 14,36). Que Jesus tenha utilizado esta mesma palavra abbá também nas suas outras orações, prova-se por uma comparação das formas diferentes que a palavra "pai" toma no grego. Ao lado do vocativo correto páterMt 11,25 par. Lc 10,21; Lc 11,2;22,42;23,34.46; Jo 11,41;12,27s;17,1.5.11.24.25. ou páter mouMt 26,39.42., encontramos o nominativo ho patér na função de vocativo, o que é incorretoMc 14,36; Mt 11,26 par. Lc 10,21; Rm 8,15; G1 4,6; sem o artigo unicamente nas variantes: Jo 17,5.11.21.24.25.. Estas passagens do vocativo ao nominativo, que aparecem num só e mesmo lógion (Mt 11,25.26, par. Lc 10, 21) não se podem explicar sem se levar em conta o fato de que a palavra abbá — como o veremos — servia correntemente no aramaico da Palestina no primeiro século, não só como invocativo, mas também para dizer "o pai" (status emphaticus). Digamos, enfim, que sem contar Mc 14,34 e as variantes da palavra "pai" em grego, possuímos uma terceira peça que prova que Jesus dizia Abbá quando rezava. São as duas passagens de Paulo, em Rm 8,15 e G1 4,6. Elas nos informam que as comunidades cristãs diziam "Abbá, ho patér" (Abbá, Pai) e tinham-no como expressão produzida pelo [[biblia:figuras:espirito-santo:start|Espírito Santo]]. Aplica-se isto tanto às comunidades paulinas (Gálatas) como às não-paulinas (Romanos), e não há dúvida de que esta invocação seja um eco das próprias orações de Jesus. Não se encontra nada de comparável nas orações judaicas do primeiro milênio antes de [[biblia:figuras:nt-personagens:cristo:start|Cristo]]. Não existe nenhum exemplo no conjunto das preces do judaísmo antigo — imenso tesouro muito pouco explorado — desta invocação dirigida a Deus como Abbá, nem nas preces propriamente litúrgicas nem nas outras. Existe apenas uma passagem da literatura judaica tardia, onde a palavra abbá se refere a Deus. É a narração de um acontecimento que se deu pelo fim do séc. 1 a.C. Refere-se a Hanin ha-Nehba, um homem afamado por seu sucesso em orações para obter chuva: "Quando o mundo precisava de chuva, nossos mestres tinham o costume de lhe mandar as crianças das escolas, que se agarravam ao seu manto e imploravam: Abbá, abbâ habh lan mitra: papai, papai, dá-nos a chuva". E ele lhe (a Deus) dizia: "Senhor do universo, concede-nos (a chuva) em vista destes que não são ainda capazes de distinguir entre um abbá que tem o poder de dar a chuva e um abbá que não o tem"Talmud da Babilônia, Tratado Ta'anith, 23b.. À primeira vista, parece que temos aí uma amostra em que Deus é chamado de Abbá. Mas devemos considerar duas coisas. Em primeiro lugar, a palavra abbá é aplicada a Deus como que a modo de brincadeira. Hanin apela à misericordia de Deus, adotando o grito: "Papai, papai, dá-nos a chuva", que as crianças repetem em coro, e chama a Deus de um "Abbá que tem o poder de dar a chuva", como o fariam as crianças na sua linguagem. Em segundo lugar, e isto é o mais importante, Hanin não se dirige absolutamente a Deus como Abbá; pelo contrário, invoca-o como "Senhor do universo". Sem dúvida, a história constitui, de certo modo, um prelúdio à afirmação de Jesus dizendo que o Pai celeste sabe do que precisam seus filhos (Mt 6,32 par.), que ele envia a chuva sobre os justos e os injustos (Mt 5,45), e dá coisas boas aos filhos que lhas pedem (Mt 7,11 par., Lc 11,13). Mas isso não nos fornece a prova de um uso de abbá para invocar a Deus. Resta que não ternos nenhum testemunho do uso deste termo com tal referência em todo o judaísmo. Chegamos a um resultado de importância capital. De um lado, as orações judaicas não contêm um só exemplo do emprego de abbá para dirigir-se a Deus; por outro lado, Jesus a usava sempre quando rezava (com a exceção do grito na cruz em Mc 15,34). Significa que temos aí, incontestavelmente, um traço característico do modo como Jesus, e somente Jesus, se expressava, da sua ipsissima vox. As razões pelas quais as orações judaicas não se dirigiam a Deus como Abbá, se encontram ao se considerar o fundo linguístico da palavra. Originalmente, abbá fazia parte do balbucio infantil. O Talmud diz: "Quando a criança começa a comer trigo (isto é, quando é desmamada), aprende a dizer abbá e immá" (ou seja, papai e mamãe são as primeiras palavras que ela diz)Talmud da Babilônia, Tratado Berachoth, 40a (Bar.) par. Tratado Sanhedrin, 10b (Bar.).. Igualmente, Padres da Igreja, como João [[ate-agostinho:crisostomo:start|Crisóstomo]], Teodoro de Mopsuéstia e Teodoreto de Ciro, os três nascidos em Antioquia de [[philokalia:philokalia-termos:pais:start|pais]] ricos, mas, segundo todas as possibilidades, educados por amas sírias, nos dizem, por sua própria experiência, que as criancinhas tinham o costume de chamar seu pai de Abbá. Quando comecei este estudo, que me exigiu alguns anos de trabalho, pensava que Jesus tinha simplesmente adotado este balbucio infantil. Mas não demorei a constatar que esta conclusão era muito apressada, pois ignorava o fato de que já na época pré-cristã, esta palavra, que se originava da linguagem dos bebês, tinha recebido um sentido mais amplo no aramaico da Palestina. Para dirigir-se a seu pai, a forma abbá suplantou a antiga forma abbi, usada no aramaico palestinense até pelo menos o séc. 2 a. C., como constatamos pela documentação. Além disso, abbá tomou o sentido de "meu pai", e de "o pai", e substituiu na época até mesmo "seu pai" e "nosso pai". De tal modo que a palavra não era apenas parte do linguajar das crianças. Os jovens de ambos os sexos também chamavam o próprio pai de Abbá (cf. Lc 15,21), não recorrendo à palavra "Senhor" (Kyrie) a não ser em uso cerimonioso (cf. Mt 21,29-30). Mas, apesar destes desenvolvimentos, jamais caiu no esquecimento o fato de que esta palavra provinha do linguajar infantil. Eis-nos, pois, autorizados a dizer por que abbá não se usa nas orações judaicas para invocar a Deus: seria desrespeitoso, e portanto impensável para uma mentalidade judaica, chamar a Deus com um nome tão familiar 13. Foi algo de novo, único e inaudito, ter Jesus ousado tomar essa iniciativa e falar a Deus como uma criança fala ao seu pai, com simplicidade, intimidade e sem temor. Portanto, não há dúvida alguma de que a palavra abbá, utilizada por Jesus para dirigir-se a Deus, revela o próprio fundamento de sua comunhão com ele. {{indexmenu>.#1|skipns=/^playground|^wiki/ nsonly}}