====== Plard (HPAS) – Scheffler, influência de Valentin Weigel ====== HPAS Um dos "espirituais" protestantes cuja pensamento parece ter exercido maior influência sobre o Peregrino Querubínico é Valentin Weigel; contudo, ele não parece ter lido as obras que possuía em sua biblioteca (J. Orcibal, art. citado, p. 496); a lista impressionante de aproximações estabelecida por M. Ellinger não prova que ele tenha tido um conhecimento aprofundado dele: as passagens em questão podem tê-lo impressionado em uma obra de Frankenberg, ou ainda em pequenos tratados anônimos que circulavam pelo país e espalhavam a doutrina heterodoxa, exagerando seus traços (Ed. 1895, p. xxxix). Weigel e seus obscuros sucessores transmitiram-lhe, em todo caso, um pensamento que ele modifica, em um sentido que teremos que estudar, no Peregrino Querubínico: Deus chega à autoconsciência, à personalidade, na e pela criatura; ele não é Pai, Filho e Espírito Santo, Vontade e Poder, senão "relativamente, isto é, em, com e pela criatura"; no absoluto, ele é "a própria eternidade sem tempo, ele flutua e permanece em si mesmo em todos os lugares, não tem ação, nem vontade nem desejo ((Segundo //Realenzyklopädie//, artigo Weigel)). Outros paralelos entre Johann Scheffler e Weigel, só se pode dizer uma coisa: é que eles se referem a ideias comuns a toda especulação mística, e que ele também pode ter emprestado de outros. É difícil distinguir, aliás, a contribuição de Weigel e a de Böhme: em muitos pontos, seu pensamento concorda. Sabemos aqui com certeza que Scheffler trabalhou a //Aurora//, e ele mesmo reconheceu, com algumas reticências, que havia lido na Holanda vários de seus escritos (Ell., p. 25). Como Böhme, ele concebe o mundo sob a forma de um campo de forças antitéticas, no qual o homem se encontra colocado com uma liberdade de escolha absoluta; a boa qualidade, Deus, e a qualidade má, o Diabo, estão presentes em todo o mundo "onde encontrei em todas as coisas bem e mal, amor e cólera: nas criaturas desprovidas de razão, tais como madeira, pedra, terra e elementos, assim como no homem e nos animais", diz a //Aurora// (//Aurora//, par. 19). Böhme, diante dessas contradições, foi tomado por pensamentos ímpios, duvidando da bondade de Deus, de sua superioridade sobre o mal, como ele conta; ele só escapou ao desespero transportando as antinomias do mundo para o próprio Deus, "amor e cólera", e fazendo delas uma condição necessária de sua revelação. "O abismo sem fundo (//der Ungrund//) é um nada eterno, mas produz, enquanto desejo (//Sucht//), um começo eterno. Pois o Nada é desejo de algo." Deus se cria criando nele a oposição da inteligência e do desejo, cujo desenvolvimento dialético produzirá o //Mysterium magnum//, arquétipo luminoso do mundo real, onde se objetiva o desejo divino de revelação, mas conforme seu aspecto de espiritualidade pura. Seria muito longo seguir por todos os seus detalhes a cosmogonia de Böhme; ela não deixou de influenciar Scheffler, que às vezes emprega termos do "Philosophus Teutonicus"; assim como no mestre de Frankenberg, a Sabedoria eterna (a "Virgem Sofia" de Böhme e de Novalis) aparece em uma passagem como a criadora do mundo (III, 194, 195), a esposa ideal do homem (III, 194), e até mesmo uma imagem cara a Böhme deixa um vago reflexo no dístico V, 180, "até que os lírios floresçam", — designando o florescimento da alma em uma perfeição pura. Um pensamento de Böhme, segundo o qual Deus, inteligência ou luz, só existe, no sentido real da palavra, por sua oposição ao Deus ardor ou fogo, é isolado de forma bastante estranha na obra de Silesius, cuja ideia de Deus é em geral de um monismo enérgico: A Luz persiste no Fogo A Luz dá a todos a força: Deus mesmo vive na Luz: Mas, se não fosse o Fogo, logo pereceria. Dass Liecht besteht itn Feuer Das Licht gibt allen krafft : Gott selber lebt im Lichte : Doch, wär' Er nicht das Feur, so würd' es bald zunichte. (I. I95.) É apenas uma nota isolada. Se há parentescos entre as duas imagens do mundo, se mesmo se relaciona a ideia de que Deus só existe por oposição a si mesmo, tal como a exprime Böhme, à tomada de consciência divina pela criação do homem na graça, em Silesius, o ritmo profundo do pensamento dos dois Silesianos é muito diferente. Para Böhme, trata-se de retraçar as etapas da criação: como, partindo de Deus, chega-se ao mundo atual, com suas contradições? O movimento de seu pensamento é, por assim dizer, um desdobramento do interior no exterior, do espiritual no material: assim, o problema essencial é aqui o da criação, e seu pensamento resulta em uma cosmologia. Scheffler, ao contrário, parte do mundo tal como ele é para retornar a Deus: em vez da objetivação de Böhme, ele procede a uma sublimação paralela da ideia de Deus e da alma humana, que deve levá-los de volta à sua pureza primeira na Deidade indiferenciada. Esse retorno a Deus também existia em Böhme, mas sem estar no centro de seu pensamento. Ele era, ao contrário, o único objeto do esforço dos místicos católicos, que devem ser considerados os verdadeiros mestres de Angelus Silesius, mais do que Frankenberg ou Böhme. Eles o ensinaram como se retorna Àquele que é "Eu em Mim" (II, 180), como ele diz, seguindo a fórmula de Santo Agostinho, "//interior eras intimo meo//".